domingo, 30 de novembro de 2014

A melhor forma de fazer Tsedaká


No livro “A Ética do Sinai”, de Irving Bunim, nos é passado o ensinamento de nossos sábios de que “sobre três pilares se sustentam o mundo: a Torá, a Avodá e a Tsedaká”. Traduzindo para um bom português, os pilares são “Torá, o Serviço ao Eterno (Avodá) e a Caridade (Tsedaká).
Eu venho de uma família completamente assimilada. Assim, não tive a oportunidade de frequentar uma escola judaica desde pequeno, de aprender Hebraico profundamente, etc. Muito das coisas que eu fiz foram bem tardiamente. Assim, tenho para mim que, a respeito dos “Três Pilares” citados anteriormente, dificilmente vou poder fazer excelentemente no curto-médio prazo “Torá e Avodá”, pois para isso se demanda um profundo conhecimento de Hebraico, de Mishná, Talmude, etc. Entretanto, para o pilar de Tsedaká, não há necessidade de conhecimentos profundos sobre o Judaísmo, esse é o pilar mais acessível a todos. De certa forma, o mais fácil de se fazer, inclusive. Talvez a grande dificuldade para nossos egos seja de que fazer Tsedaká não nos faz “aparecer muito” ou ficar em destaque diante da sociedade, pelo menos não deveria ser assim. Yeshua ensinava que “o que você fizer de caridade com tua mão direita, não permita que nem mesmo tua mão esquerda saiba”. Pois, caso alguém faça caridade e diga o que fez aos outros, já receberá sua recompensa, receberá em algum grau louvor humano e é o preço que se paga por ser exibido. “Aquilo que em secreto você fizer, o Pai que em secreto te vê, em secreto te recompensará”, ensina Yeshua.
Yeshua, em determinado ponto diz que haverá uma espécie de ajuntamento de todos nós humanos. E nesse dia, a humanidade será dividida não entre “judeus e não-judeus”, nem mesmo entre “cristãos e não-cristãos”, nem entre “muçulmanos e não-muçulmanos”, etc. A humanidade será divida entre os que fizeram o bem ao próximo e os que não fizeram. Yeshua dizia “vinde Benditos de meu Pai, pois eu tive fome e vocês me deram de comer; tive sede e vocês me deram de beber, estava nu e vocês me vestiram, estava doente e vocês cuidaram de mim, estava preso e vocês foram me visitar.” E essas pessoas perguntariam: “mas Yeshua, quando foi que te vimos nessas situações e te fizemos o bem? Isso nunca aconteceu!” E Yeshua responde: “quando vocês fizeram a qualquer pequenino vocês fizeram a mim!”. De modo semelhante, ele dirá ao outro grupo “Afastem-se de mim, malditos! Pois tive fome e não me deram de comer; quando tive sede, não deram o que beber; estava nu, doente e preso e vocês nem me vestiram, nem cuidaram de mim e nem foram me visitar.” E esse grupo responderá: “Mas quando foi que isso aconteceu? Nós nunca te vimos em nenhuma dessas situações?” e Yeshua responderá: “Quando vocês deixaram de fazer a qualquer um dos pequeninos, vocês deixaram de fazer a mim.” E eles dirão “Mas Yeshua, em teu nome expulsamos espíritos maus, curamos doentes e fizemos maravilhas!” E Yeshua responde: “eu não vos conheço”. O Rabino Abraham Joshua Heschel, um importantíssimo representante do movimento Chassídico moderno, se não me engano ele era da segunda geração de líderes depois de Baal Shem Tov, disse algo muito importante em um de seus livros. Ele dizia que “Quando a fé é substituída pela profissão de fé, a adoração pela disciplina, o amor pelo hábito; quando a crise é ignorada pelo esplendor do passado, a fé se torna mais propriamente uma herança tradicional do que uma fonte de vida; quando a religião fala mais pela autoridade do que pela voz da compaixão, sua mensagem torna-se sem significado. A religião é uma resposta aos problemas fundamentais do homem”. Não foi justamente isso que, em outras palavras, Yeshua disse?
Maimônides ensinava oito formas diferentes de se fazer Tsedaká. Existe uma forma mais elevada e outra muito mais baixa de praticar caridade. Vou explicar-lhes o que ele ensinava da forma mais elevada para a mais rebaixada. Basicamente, quanto mais se elimina a humilhação de quem precisa receber caridade, mais elevada se torna a Tsedaká. Quanto mais humilhação quem recebe Tsedaká precisa passar para recebê-la, mais rebaixada se torna a Tsedaká. Vamos lá....
A forma mais elevada é aquela que retira completamente a pessoa pobre da situação de humilhação e muitas vezes é forma mais fácil de Tsedaká. Exemplos dessa forma são dar um presente ou empréstimo para uma pessoa, ou acolhê-lo como sócio ou ajudando-o a conseguir um emprego. Muitas vezes, a Tsedaká mais espiritual não nos custa 1 centavo do bolso!
Um pouco mais rebaixada que a forma anterior, está em fazer uma doação secreta, aquele que doa não sabe para quem vai, aquele que recebe não sabe de onde veio a doação. Assim, nenhum vinculo de favores pode ocorrer. Do tipo, “eu te ajudei financeiramente, agora você me deve uma”. E é certamente menos humilhante para quem recebe.
Abaixo dessa está o doar anonimamente: o doador sabe para quem vai, mas quem recebe não sabe de onde veio a doação.
Logo abaixo está uma situação em que o beneficiado sabe de onde veio a caridade, mas quem doou não sabe para quem foi. Alguns rabinos amarravam moedas em seus xales e as jogavam para trás. Assim, quem precisasse de caridade poderia pegar as moedas sem ter que passar pela humilhação de ter que pedir.
Abaixo da anterior, está a de ajudar um necessitado antes que ele peça;
Em seguida, temos a de ajudar um necessitado depois que ele teve que passar pela humilhação de te pedir.
Em seguida, temos a de “doar menos do que o pobre necessita, mas doar de forma amável”.
E em último lugar, a forma mais baixa de se fazer caridade é doar de má vontade, que o Eterno nos livre disso.

Eu não conheço nenhum mendigo que fale hebraico, eu posso demonstrar amor para ele usando minha o própria língua, o português. Que o Eterno nos ajude a fazer o bem aos outros com aquilo que já temos a capacidade de usar, de falar, de agir. Que a cada um de nós seja concedida criatividade para curar as feridas abertas desse mundo que Ele criou e tanto ama.
Edgard MacFraggin'

Os Outros Povos Choram




Há um tempo atrás, escutei numa palestra do Rabino Lord Jonathan Sacks sobre uma moça judia que participava de um projeto de ajuda social na África. Infelizmente, não me recordo o nome dessa moça. O Rabino Sacks contava o motivo pelo qual ela havia ido à África ajudar as pessoas ali. Ela disse algo mais ou menos assim em referência à Segunda Guerra Mundial: “Nosso povo chorou durante anos e ninguém os escutou. Outros povos estão chorando agora e será que nós não os vamos escutar?”
Que exemplo profundo de amor. O Rabino Moré Ventura ensina algo mais ou menos assim: “Nós judeus somos B’nei Avraham, Filhos de Abraão, mas todos nós humanos somos B’nei Elokim, Filhos do Eterno, bendito seja ele”. Somos todos filhos de um mesmo Pai. O Rabino Meir Melamed chama-nos atenção em um comentário de Bereshit (Genesis) 29:15:
“É interessante notar com que espontaneadade a gente da antiguidade tratava uns aos outros de irmãos. Labão considerou imediatamente Jacó como seu irmão. Jacó chamou de irmãos a uns pobres pastores idólatras. ‘Meus irmãos, de onde sóis vós?’ (Bereshit 29:4). Essas duas palavras não podem passar despercebidas, e a humanidade deveria aprender, finalmente que, sendo uma só família, o trato com os nossos semelhantes tem que ser de irmão para irmão.”
Esse comentário é encontrado na pág. 59 da Torá traduzida e comentada pelo Rabino Meir Matzliah Melamed.

Todo ato terrorista é absolutamente condenável. Mas será que podemos esperar receber amor de palestinos e muçulmanos enquanto existem judeus que odeiam outros povos ou pessoas de outras religiões? Só podemos esperar amor deles quando não mais partir ódio de nosso lado. Não podemos usar dois pesos e duas medidas. Só receberemos uma medida de amor quando uma medida de amor partir de nosso lado. Será que a morte ainda que seja de um terrorista não deixa nenhuma criança órfã ou mulher viúva? Será que essa criança ou essa viúva não irão chorar e se entristecer pela morte de seu pai ou esposo? E eles pelas atitudes de desse terrorista? Será que vamos deixar de no mínimo rezar para que o Eterno console esses corações? Mas será que não podemos fazer mais?

Nós todos temos como exemplo nossos patriarcas. Será que nós teríamos a audácia de odiar o que Abraão nosso pai amava? Será que podemos odiar e desejar sofrimento a quem Isaac nosso pai amava? Abraão abençoou Ismael e Isaac abençoou Esaú. Eles dois não se tornaram parte do povo judeu, mas isso não os privou de ser abençoados. Se fazemos parte do povo judeu é para que através de nós “todas as nações da terra sejam benditas”, isso está na Torá. Devemos viver um Judaísmo relevante para a sociedade atual. Ser uma vela acesa debaixo do sol de meio dia é muito fácil. Difícil é ser como uma vela acesa em meio as trevas. Mas foi justamente para isso que as velas foram criadas.
Edgard MacFraggin'

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Dogmas Caninos

         “Cachorro” em inglês se diz “dog”. E como são interessantes esses animais, chegando a ser considerados em muitas culturas como “o melhor amigo do homem”. Apesar de muito carinhosos, não é nada recomendado brincar com um cachorro que está saboreando um osso ou algum outro alimento: nesses momentos, o instinto predomina e eles têm uma tendência a se mostrar agressivos, por imaginar que querem lhe tomar o osso. Um animal não é capaz, na maioria dos casos, de dividir seu alimento com outros que não a sua prole. Assim, diante da possibilidade da perda, os cães reagem de forma única, a saber, agressivamente. Se um cão quer o osso de outro, ele provavelmente irá disputar o alimento em uma briga. Cães são incapazes de pensar em comprar o osso do coleguinha peludo, ou mesmo de trocar, ou de pedir educadamente. Eles respondem diante dessa situação e de tantas outras de uma Única Forma.
Felizmente, nós não somos como cães. Entretanto, muitos de nós nos comportamos de maneira semelhante em muitos casos. Alguns de nós chegam a ter Atitudes Únicas diante de diferentes situações. Esse é o caso dos dogmas. É muito interessante notar que justamente a palavra “dog” (“cachorro” em inglês) está presente na palavra “dogma”. Assim, uma fé Dog-mática é uma fé adequada a um cão, lhe cabe muito bem; pois agir de forma dog-mática é agir como os cães agem, de Forma Única diante de tudo. Mas a nós, só pode fazer mal, nós não somos cães. Somos convidados a ponderar sobre diferentes situações, e em todo o tempo.
No livro “A Ética do Sinai”, de Irving Bunim, é nos dito que não é bom ser vizinho de um Chassídico tolo. O Chassídico tolo é semelhante a um homem de uma história contada pelo nosso povo. Uma mulher estava se afogando e um suposto sábio, depois de vê-la pedir ajuda, virou de costas e seguiu seu caminho, deixando que ela morresse. E por que ele fez isso? Pois pensou na proibição que existe de que “um homem não deve tocar uma mulher que não seja sua esposa”. Esse homem agiu como um cão. Deveria ele ter se lembrado de que a vida é maior que esse preceito, assim, ele tinha a obrigação de salvar a mulher que se afogava.
Deve ser por isso que os cães não fazem perguntas: como eles tem apenas um tipo de resposta para cada pergunta, estas se tornam dispensáveis. Mas nós nos fazemos perguntas o tempo todo e diante de diferentes situações temos o Dever Religioso de dar Respostas Diferentes. O Rabino Lord Jonathan Sacks nos ensina que “Responsabilidade é ter Habilidade em dar Resposta”. Eu diria, parafraseando-o que “Responsabilidade é ter Habilidade em não ser um cão”.
Edgard MacFraggin’

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Ame o Idólatra

Talvez o título desse artigo seja, a princípio, um pouco chocante. Mas vamos juntos refletir sobre o tema. E vamos começar pelo amanhecer de cada dia. Todos os dias, ao acordarmos, agradecemos ao Eterno pela alma que Ele nos devolveu, mantendo-nos com vida. Uma possível tradução da reza que recitamos é essa: “Dou graças perante Ti, ó Rei vivo e existente, que devolveste a minha alma com piedade, grande é Tua fé em nós”. O Eterno, bendito seja, demonstra ter fé em nós, por isso Ele devolve, por assim dizer, a nossa alma todos os dias – na tradição rabínica, o momento em que dormimos é considerado como uma mini-morte. Mas justamente pelo Eterno acreditar que nós vamos nos tornar melhores, que vamos servi-Lo e fazer o bem é que Ele nos dá a oportunidade de continuarmos a viver. 

Todas as criaturas vivas, mesmo que não tenham consciência disso, também recebem do Eterno suas almas todos os dias. Talvez possamos inferir disso que Ele também tem fé em todos nós, em toda a humanidade. Um ladrão pode deixar de roubar, um mentiroso pode se arrepender, um idólatra pode se tornar um servo do Eterno. Enquanto há vida, há possibilidade de Retorno, há possibilidade de Teshuvá. Mas se morrermos, as chances acabam. Depois da cova não mais nada que possamos fazer no Plano Físico. 

Os rabinos ensinam que “Sem Torá não há Pão e sem Pão não há Torá”. Não é possível servir ao Eterno adequadamente padecendo necessidades físicas, beirando o leito de morte. Assim, como é que alguma pessoa retornará ao Eterno se tem a morte e o sofrimento como companhias constantes? Ainda mais, como essa pessoa vai querer servir a um D’us que seus próprios seguidores não são capazes de demonstrar amor aos que não pertencem ao seu próprio grupo? Como disse Yeshua, “amar nossos amigos é algo muito fácil, até os pagãos fazem isso - o difícil é amar nossos inimigos” e nós somos chamados a isso. Na parashá Vaietzé (Bereshit “Gênesis” 28:10 – 32:3), Jacó chama a uns pastores de origem étnica desconhecida de “meus irmãos” (Bereshit “Gênesis” 29:4). O Rabino Meir Melamed, em seu comentário sobre o versículo “ama o próximo como a ti mesmo” (Levítico 19:18), chama atenção de que nós devemos amar a todos os homens, pois o termo “irmãos” foi usado para não israelitas. E até mesmo os idólatras fazem parte desse “todos”. Existe uma enorme chance de que os pastores desconhecidos que Jacó chamou de “irmãos” fossem homens idólatras. 

Na Torá, lemos sobre a destruição de uma geração e a destruição de uma cidade. Em ambos os casos, a destruição partiu do Eterno e não de mãos humanas. Antes do Dilúvio, Noé poderia ter anunciado para que o povo se arrependesse, mas não o fez. Por isso, foi considerado um “justo em sua geração”, e essa atitude dele foi criticada por vários rabinos. Antes da destruição de Sodoma-Gomorra, Abraão clama pela cidade ímpia. Ele se importou com a vida humana ali e rezou por eles, ainda que fossem idólatras. O Midrash nos conta que Abraão gostava de receber pessoas desconhecidas em sua casa e lhes oferecia uma refeição, apenas para que ao final dela as pessoas bendizessem o Nome do Eterno. Certa vez, ele recebeu em sua casa um homem idólatra de 70 anos de idade. Depois da refeição Abraão pediu que o homem bendizesse o Eterno, mas ele se recusou. Abraão perdeu a paciência e o 
expulsou de sua tenda. O Eterno então chamou a atenção de Abraão: “Abraão, Eu tenho suportado esse homem idólatra viver em Mim mesmo por 70 anos e você não é capaz de suportá-lo por cinco minutos?” Se o Eterno permite que os idólatras vivam, é porque talvez haja esperança de que eles se convertam de seus caminhos. Se o Eterno assim age, quem somos nós para agirmos de forma diferente supostamente em Nome Dele? O Eterno não mandou que Jonas fosse até a cidade idólatra de Nínive anunciar que se arrependessem? E eles não foram salvos da destruição? Quanto ao amor, não há diferença entre o “guer” e o “gói”, entre o estrangeiro que ama ao Eterno e o Idólatra. Devemos amar a todos. O Rabino Lord Jonathan Sacks chama atenção para o fato de que Torá diz uma única vez “ama ao próximo como a ti mesmo” e 36 vezes “ama o estrangeiro”. Fazendo uma guematria rápida, se somarmos os algarismos temos que:

1 + 36 (1 vez “ama o próximo” + 36 vezes “ama o estrangeiro”) = 1 + 3 + 6 = 10, 

ou seja, talvez possamos entender que nosso amor só é completo quando amamos a todos, sem distinção de etnia, religião, ou qualquer outra coisa, pois o número 10 faz alusão a algo que é completo. Imagine o peso que estará sobre nossas costas no Último Dia se negarmos amor a um idólatra? Se por conta da somatória de nossas atitudes em demonstrar amor e em lhes fazer caridade um deles morrer e nós formos responsáveis pela morte dele? E por ter morrido ele não ter feito Teshuvá? Que o Eterno nos livre disso. Em minha opinião, um idólatra bom é um idólatra vivo, pois apenas vivo ele terá a possibilidade de se arrepender e fazer Teshuvá. Depois de morto, o que poderá ser feito? 

Se negamos estender a mão para quem quer que seja, estamos nos colocando como juízes sobre essa pessoa. E com o “mesmo peso que julgarmos, seremos julgados também”. Que o Eterno nos ensine a fazer Darkê Shalom, a viver “Caminhos de Paz”, como ensina o Rab. Jonathan Sacks, com todos os que nos cercam. Somos realmente proíbidos de participar de qualquer idolatria. Mas se até a vida animal é importante e temos diversos mandamentos quanto a eles, muito mais não temos em relação à preservação da vida humana?

Edgard MacFraggin’

domingo, 9 de novembro de 2014

Ciúmes: um termômetro para o bem e um aquecedor para o mal

Uma piadinha pra descontrair :) 
Esses dias, tomei conhecimento de um fato que pareceu-me uma clara demonstração de ciúme, o que fez lembrar-me de uma outra situação que ocorreu comigo, cerca de 12 anos atrás. Na época, eu estava com aproximadamente 15 anos de idade. Viajei até a cidade onde mora minha tia, para passar ali alguns dias com eles.
Assim que cheguei, minha prima, um ano mais nova que eu, me convidou para irmos tomar um sorvete, num lugar ali perto. Junto conosco, iria um rapaz aparentemente um pouco mais velho que eu e aparentemente amigo de minha prima. Estávamos conversando bem, o cara parecia ser legal e tal. Até que chegamos na sorveteria. Eu cheguei e me servi e minha prima também se serviu. O rapaz, entretanto, não o fez. Pensei comigo mesmo "ah, ele não deve gostar muito de sorvete ou então vai comer outra coisa", ou algo semelhante a isso.
Para a minha surpresa, minha prima e o rapaz começaram a tomar o sorvete que minha prima havia servido juntos! Quando aquela cena se colocou diante de meus olhos eu fervi de raiva. Recordo-me de ter vontade de mandar minha prima se servir novamente e deixar aquele sorvete para o rapaz, pois "prima minha não fica tendo refeições desse jeito". Bom, eu não disse nada da ocasião, mas acredito que, pelo menos minha prima, deve ter percebido que o "clima fechou" pra mim naquele momento. Não sabia eu, ninguém havia me contado ainda, que minha prima estava namorando com aquele rapaz. Mas é capaz que mesmo que eu soubesse teria reagido de maneira semelhante.
Acho que tudo isso me fez parar e refletir sobre essa questão de sentir ciúmes. Poxa, por que nós o sentimos? Eu particularmente não gosto de sentir ciúmes e não acho que a manifestação pública dele seja algum tipo de demonstração de amor, como muitos entendem, mas sim uma manifestação de possessão, de achar que é possível ter posse ou propriedade do outro. E geralmente, manifestações exteriores de ciúmes acabam em problemas ou até mesmo tragédias. O problema é que o ciúme inevitavelmente se manifesta.
Será que ele pode ser considerado como bom? Pode ser que sim, pode ser que não. Eu penso que o ciúmes é com certeza algum tipo de termômetro. Só sentimos ciúmes de pessoas ou coisas que nos são preciosos. Assim, esse ciúme-termômetro pode ser uma ferramenta completamente pessoal de autoanálise, de um auto reconhecimento de por quem sentimos ciúmes nos é muito precioso. E, nessa analogia, o ciúme se torna um termômetro-aquecedor é que ele se torna problema, muitas vezes destrutivo. Vou usar um exemplo para explicar.
Vamos imaginar que um cachorrinho chegou passando mal na clínica. Pegamos o termômetro para aferir a temperatura e constatamos que ele está com febre e bem alta, correndo risco de vida. O que devemos fazer? Certamente, ligar um aquecedor NÃO está entre as opções de tratamento. A função desempenhada pelo termômetro foi muito boa, pudemos aferir a temperatura do animal e poderemos também acompanhar a evolução do quadro. Agora, que função em resolver o quadro febril teria um termômetro-aquecedor demoníaco? Nenhuma. Se esse termômetro, ao constatar que o animai estivesse febril começasse a aquecê-lo, muito provavelmente acabaria ocasionando óbito no animal, não ajudando em nada na resolução do quadro. Quem deve reagir a situação que deixou o cachorro febril é o próprio cachorro e não o termômetro. No caso de ciúmes, quem deve tomar alguma atitude não é o ciumento e sim a pessoa a quem ele tem ciúmes - se for o caso, pois também existem os ciumentos compulsivos. A presença do ciúme serve para que, se ainda não houvermos percebido, percebamos que tal pessoa coisa nos é importante. Agora, reagir a isso e tornar o cipumes público é apenas uma reação de aquecimento, que pode gerar uma situação de pequeno desconforto indo até mesmo à morte.
Como disse anteriormente, não entendo que demonstrar ciúmes seja uma manifestação de amor. Muito pelo contrário: pessoas que fazem isso me parecem sentir-se donas do Outro. Entretanto, eu acho que pessoas que criam situações para que o Outro sinta ciúmes dela são pessoas profundamente doentes e que comentem um pecado abominável. E quando um dos amantes percebe que seu amado está sentindo ciúme, assim como um cão febril deve reagir à própria febre, esse amante deve reagir visando amenizar a situação, acabar com a medição de febre do termômetro daquele que sente ciúmes. Talvez valha a pena, diante de uma situação dessas, que quem é alvo de ciúmes tranquilize o termômetro do outro e isso pode ser feita de diversas formas. Um amigo meu me contou uma situação que achei de genial resolução. Esse meu amigo é um cara boa pinta, "bonitão" e tal. Certa vez, ele havia ido com a namorada à uma churrascaria, pra ter uma noite de casal. Uma moça ilustremente desconhecida que estava ali teve o descabimento de chegar até eles e pedir pra tirar uma foto junto com meu amigo! Ele disse que naquele momento, o clima fechou. Instaneamente, ele percebeu que a namorada dele havia ficado - com razão - uma fera e que a noite romântica deles estava a ponto de escorrer pelo ralo. O que ele fez? Sacou em frações de segundo uma ideia muito inteligente. Ele respondeu à inconveniente moça mais ou menos assim: 

 - Claro que podemos tirar uma foto, mas só se na foto eu estiver beijando minha namorada! 

Genial, não? Assim, diante de uma situação que tinha o potencial pra ferver, o amor deles foi adequadamente reafirmado e a situação se resolveu. Acredito que aquele foi um dos melhores encontros românticos que meu amigo teve.


Edgard MacFraggin'

domingo, 2 de novembro de 2014

Uma história sobre o Reve de Nemirov

Essa história é encontrada no livro do Rabino Lorde Jonathan Sacks, "Para Curar um Mundo Fraturado", da Editora Sefer.