terça-feira, 28 de outubro de 2014

Audios de contos do Judaísmo

Visando compartilhar belos contos que existem no Judaísmo, estou pensando em de quando em quando gravar essas histórias e compartilhá-las via Soundcloud. Aqui vão duas gravações: 



sábado, 11 de outubro de 2014

Lech Lechá: retornando ao começo

Crianças lhe foram trazidas para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os talmidim repreendiam as pessoas que as traziam. Entrentanto, Yeshua disse: ‘Deixem as crianças chegar até mim e não as impeçam, porque o Reino do Céu pertence a quem é como elas’. Depois de lhes impor as mães, seguiu seu caminho”.
Mattityahu 19:13-15 (BJC)

Eu acho que quase sempre as crianças são muito sinceras, principalmente quando se encontram em um determinado ambiente em que se sentem à vontade. Sempre falam coisas que talvez um adulto não fosse falar, são extremamente sinceras, não apenas com os outros, mas penso que são sinceras consigo mesmas. Parece que elas sabem quem são, qual Mazal é o delas e quais ferramentas elas têm pra cumpri-lo, qual missão elas devem cumprir aqui nesse Mundo. Recordo-me de quando era criança. Era um garoto esperto e bagunceiro. Não parava quieto, gostava muito de falar e de fazer os outros rirem. Amava quando me achavam engraçado. Amava desenhar – principalmente desenhar sapos – e não escondia de ninguém que minha cor preferida era (e ainda é) o verde. Além disso, amava animais. Entre meus familiares (principalmente entre meu irmão e primos) e entre os amiguinhos de infância era um carinha falador, extrovertido e que “liderava” a bagunça. Veja a foto ao lado: era o próprio “Pestinha”[i] brasileiro! Quando tinha entre nove e onze anos de idade li talvez mais de 20 vezes o livro “Menino Maluquinho” do Ziraldo[ii]. Gostava bastante do final do livro, onde era dito algo do tipo “o Menino Maluquinho cresceu e percebeu-se que ele não havia sido maluquinho e sim uma criança feliz”. Acho que era assim que acabava o livro, mas não tenho certeza agora. Mas de qualquer forma, foi essa a mensagem que ficou pra mim. Eu queria crescer e olhar para trás e ver que eu havia sido um “menino feliz”. Hoje, eu acho que fui.
Até que veio a adolescência. Acho que por ficar com muito receio de as garotas não se interessarem por mim, pela minha forma de ser, comecei a me fechar. Minhas verdades infantis, aquilo que eu sabia sobre eu mesmo foram deliberadamente soterradas com a lama da mediocridade. Mediocridade, como me explicou a Dra. Ana Mariza Fontoura Vidal, é aquilo que é médio, aquilo que massifica e retira as individualidades. Assim, de uma criança extrovertida, passei a ser um adolescente introvertido; de engraçado a chato; de otimista a pessimista; ao final da adolescência e início da juventude, desenhar se tornou mais raro. Até mesmo meu gosto por verde passou batido por uns anos: me forcei a comprar roupas de outras cores, mesmo sem querer usá-las. Tentava deixar de ser “eu mesmo” em diferentes níveis e me diluir na Grande Massa, nem que fosse na marra. Só que não deu certo.
Como é difícil isso de fazer Lech Lechá[iii], de “ir ao encontro de si mesmo”. A tradição judaica diz que as crianças têm uma percepção muito elevada do mundo espiritual. Recordo-me de um texto que o Rabino Nilton Bonder conta uma história em que pessoas de diferentes idades falando da lembrança mais antiga que possuíam. Ao final da história, via-se que a pessoa quanto mais nova fosse, mais ela lembrava da vivência espiritual que tinha tido antes de nascer, do “Banco de Almas” por assim dizer. Quanto mais velha, menos se lembrava, entretanto, mais próxima estava de retornar ao lugar separado pelo Eterno, bendito seja. Quero me focar no primeiro caso. Acho que isso faz muito sentido no contexto que Yeshua colocou: quem não retornar a “ser como criança” não pode herdar esse Reino, que colocarei em um sentido metafórico. Nesse forma que coloco, esse Reino é o cumprir a vontade do Supremo Rei. Aquele que cumprir Sua Bendita Vontade certamente herdará um bom lugar em Seu Reino. Como as crianças chegaram nesse mundo há pouco tempo, elas sabem, teoricamente, melhor que os adultos qual é a Vontade do Rei, bendito seja Ele.
O livro “O Sagrado” [iv] é um livro muito bonito. Fala do “segredo do segredo”. Eu não vou contar o que é o “segredo do segredo”, acho que vale a pena ler o livro. Enquanto lia, percebi que muita coisa que pensava quando criança possui validade hoje. E que eram verdades mais profundas que as verdades que fui adquirindo no lamaçal da mediocridade. Talvez possa ser esse um dos sentidos de quando Yeshua disse sobre “nascer de novo”. “Nascer de novo” é uma possibilidade de se retornar a essa Infância – e de que de lá ninguém saia. Acho que hoje meu trabalho é meio de paleontólogo: com um delicado pincel, preciso ir cavucando e retirando esse Lamaçal, com muito cuidado para não danificar o precioso material que ficou soterrado. É necessário deixar à mostra o que foi desenterrado e expressar a individualidade. Como disse o Rabino David Aaron[v], é apenas assim que podemos expressar o nosso amor, seja pelo Rei, seja por nossos semelhantes.
Concluo lembrando-me da Dra. Ana Mariza, me contando sobre a percepção que teve ao visitar um museu sobre Pablo Picasso: “ele passou a vida inteira para aprender a pintar como Criança...”

Edgard MacFraggin’





[i] Personagem Júnior, do filme “O Pestinha”(Problem Child), EUA, 1990.
[ii] Editora Melhoramentos, 1980.
[iii] Parashá Lech LecháBereshit (Gênesis) 12:1-17:27.
[iv] Do Rabino Nilton Bonder, Editora Rocco, 2007.
[v] “O Amor é Minha Religião” (Love is my Religion), editora Sêfer, 2003.