segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O que não fazer durante o Natal


Essa época do ano, no Brasil e em muitos outros países, há as celebrações natalinas. Cerca de dois anos atrás, o Primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, gravou uma mensagem desejando “feliz natal” para os israelenses cristãos, desejando-lhes votos de felicidade em suas festas. Lembro que fiquei sem entender o motivo dele ter feito isso. Pensava comigo “como pode um judeu fazer algo do tipo?”... na mesma época, eu cometi algo que hoje considero errado e acho que hoje entendo os motivos de Benjamin Netanyahu, pelo menos em parte. Naquela época, via redes sociais, eu critiquei duramente o Natal, chegando mesmo a fazer zombarias à respeito da festa. Acabei ofendendo muita gente com minha falta de respeito, e por isso peço perdão.

Geralmente, quando alguém se levanta para criticar o Natal e outras práticas, o fazem no sentido de “lutar contra idolatria”. Entretanto, se essa luta se torna mais pessoal, no sentido de alguém se levantar para criticar outra pessoa, chamando-a de “idólatra”, a coisa começa a ficar bastante mais séria para o crítico. Vejamos o que dizem os rabinos sobre isso:

“Quando você acusa alguém e pronuncia um julgamento sobre esta pessoa, dizendo que ela merece isto ou aquilo, está pronunciando julgamento sobre si mesmo. Apesar do erro cometido pelo outro parecer estranho à sua maneira de ser e de se comportar, você já terá cometido de forma semelhante este mesmo erro. Se você acusa alguém de, por exemplo, idolatria, você será, com certeza, culpado por orgulho – que é, em si, uma forma de idolatria. E seu erro pode ser maior que aquele que você aponta, pois o julgamento sobre você será ainda mais severo e crítico. Porém, se você justifica aquele que está errado, desculpando-o pelo fato de estar ainda aprisionado à sua encarnação e não poder controlar seus desejos, então você estará justificando a si mesmo.” (trecho do livro “A Cabala da Inveja”, do Rabino Nilton Bonder, pág. 113).

Bom, em minha opinião, tanto quanto cristãos devem celebrar o Natal, os judeus não o devem celebrar. São religiões diferentes, com costumes diferentes e deve ser “cada um na sua”. Mas não quero entrar na parte ritualística ou espiritual do Natal e nem mesmo de outras festas. Quero falar de questões mais “físicas” e não “rituais”. Porque embora sejamos de religiões muito diferentes, temos algo em comum. E esse algo em comum é o “ser à Imagem e Semelhança do Divino”. Vejamos isso...

Por conta de uma determinada festa, crianças órfãs são visitadas todos os anos, e recebem presentes, alimento e carinho. Por conta dessa festa, idosos são visitados em asilos e recebem mais carinho e atenção do que recebem no ano inteiro. Doentes recebem alegria em leitos de hospitais e os presos recebem carinho também. Pessoas pobres recebem dignidade, seja em forma de alimento, seja em forma de roupas, ou brinquedos. E essa festa é o Natal. E o que é lícito fazer no Natal? É lícito e louvável fazer no Natal o que é lícito e louvável fazer no ano inteiro. É licito “amar o próximo como a ti mesmo”.

Eu acho que quem quiser criticar a prática religiosa dos outros, tem todo direito de fazê-lo. Mas criticar sem ter nenhuma atitude, de que adianta? Se for para criticar, deve-se fazê-lo muito mais com atitudes do que com palavras. Se você acha que quem celebra o Natal está complemente errado em suas atitudes, mostre a ele como fazer então. Se eles visitam crianças, idosos, doentes e presos uma vez por ano, quantas vezes alguém que os critica deve visitar? É muito fácil ficar sentado apenas criticando sem nunca se levantar da cadeira e ir estender a mão a quem necessita. Se alguém acha que sua prática religiosa é tão mais elevada que a dos outros, que demonstre isso com seus frutos, pois “pelos frutos se conhece a árvore”. Então, faça caridade não apenas uma vez por ano, como muitos fazem apenas no Natal. Faça caridade não só uma vez por ano, faça caridade pelo menos uma vez por mês. Se nós não somos capazes de “amar ao próximo como a nós mesmos” a quem vemos todos os dias, como o seremos de “amar a D’us”, a quem não vemos?

Quero ler agora algo muito interessante que Larry Norman, de bendita memória, escreveu. Ele dizia assim, numa tradução livre...

“Você deve alimentar os pobres, eles estão morrendo todos os dias; quando sua mãe perguntar se você alimentou os pobres, qual será sua resposta? Você deve alimentar os pobres, você deve obedecer; quando seu pai perguntar se você alimentou os pobres, qual será sua resposta?
Existe um pequeno garoto deitado no chão, tao fraco que não consegue levantar a cabeça, tão doente que não consegue emitir um som. Há uma pequena bebezinha com os olhos bem fechados, seu corpo queima em febre, não há comida para ela essa noite...
Você tem que alimentar os pobres, você deve obedecer, quando os anjos perguntarem se você alimentou os pobres, qual será sua resposta? Você tem que alimentar os pobres, eles estão morrendo todos os dias, quando o Messias te perguntar se você alimentou os pobres, qual será sua resposta?
Eles estão cortando as florestas tropicais para alimentar vacas, empresas de Fast Food não tem tempo a perder. Áreas alagadas e pântanos estão sendo drenados, os animais e pássaros não têm mais lugar para ficar.
Conglomerados insidiosos negam que estão envolvidos, com tanta falsidade fica muito difícil de resolver as coisas, eles imprimem quilômetros de papel que não dizem nada, e assim outro milhão de arvores são cortadas. Nas escolas, as crianças vão sem uma refeição; eles estudam esse nosso país maravilhoso, mas deve parecer-lhes completamente irreal. No Haiti, na África e na sua pequena cidade também, existem crianças passando fome em todos os lugares e eles estão olhando para você...
Você tem que alimentar os pobres, você tem que alimentar os pobres...”.

Alimentar os que têm fome, dar de beber aos que tem sede, vestir aos que estão nus, visitar os doentes, cuidar dos idosos, brincar com uma criança, tudo isso tem muito mais valor que longas horas de estudo religioso e orações. Como ensinam os rabinos, nós “aprendemos mais sobre o Eterno imitando-O do que contemplando-O”. Se você precisa de um motivo, uma celebração para fazer o bem para o outro, ao invés de fazer bondade nessa época em nome do Natal faça-o em nome de Chanukkah; compartilhe suas refeições de Purim com os mendigos; visite os doentes em Pessach; vá a um asilo em Rosh HaShana. E que um dia o Eterno nos permita fazer o Bem a todos a quem pudermos todos os dias, independentemente de datas. Chag Chanukkah Sameach e que você não perca a oportunidade de fazer uma bondade a alguém ainda nessa festa de Chanukkah de 5775! 

Edgard MacFraggin'

domingo, 30 de novembro de 2014

A melhor forma de fazer Tsedaká


No livro “A Ética do Sinai”, de Irving Bunim, nos é passado o ensinamento de nossos sábios de que “sobre três pilares se sustentam o mundo: a Torá, a Avodá e a Tsedaká”. Traduzindo para um bom português, os pilares são “Torá, o Serviço ao Eterno (Avodá) e a Caridade (Tsedaká).
Eu venho de uma família completamente assimilada. Assim, não tive a oportunidade de frequentar uma escola judaica desde pequeno, de aprender Hebraico profundamente, etc. Muito das coisas que eu fiz foram bem tardiamente. Assim, tenho para mim que, a respeito dos “Três Pilares” citados anteriormente, dificilmente vou poder fazer excelentemente no curto-médio prazo “Torá e Avodá”, pois para isso se demanda um profundo conhecimento de Hebraico, de Mishná, Talmude, etc. Entretanto, para o pilar de Tsedaká, não há necessidade de conhecimentos profundos sobre o Judaísmo, esse é o pilar mais acessível a todos. De certa forma, o mais fácil de se fazer, inclusive. Talvez a grande dificuldade para nossos egos seja de que fazer Tsedaká não nos faz “aparecer muito” ou ficar em destaque diante da sociedade, pelo menos não deveria ser assim. Yeshua ensinava que “o que você fizer de caridade com tua mão direita, não permita que nem mesmo tua mão esquerda saiba”. Pois, caso alguém faça caridade e diga o que fez aos outros, já receberá sua recompensa, receberá em algum grau louvor humano e é o preço que se paga por ser exibido. “Aquilo que em secreto você fizer, o Pai que em secreto te vê, em secreto te recompensará”, ensina Yeshua.
Yeshua, em determinado ponto diz que haverá uma espécie de ajuntamento de todos nós humanos. E nesse dia, a humanidade será dividida não entre “judeus e não-judeus”, nem mesmo entre “cristãos e não-cristãos”, nem entre “muçulmanos e não-muçulmanos”, etc. A humanidade será divida entre os que fizeram o bem ao próximo e os que não fizeram. Yeshua dizia “vinde Benditos de meu Pai, pois eu tive fome e vocês me deram de comer; tive sede e vocês me deram de beber, estava nu e vocês me vestiram, estava doente e vocês cuidaram de mim, estava preso e vocês foram me visitar.” E essas pessoas perguntariam: “mas Yeshua, quando foi que te vimos nessas situações e te fizemos o bem? Isso nunca aconteceu!” E Yeshua responde: “quando vocês fizeram a qualquer pequenino vocês fizeram a mim!”. De modo semelhante, ele dirá ao outro grupo “Afastem-se de mim, malditos! Pois tive fome e não me deram de comer; quando tive sede, não deram o que beber; estava nu, doente e preso e vocês nem me vestiram, nem cuidaram de mim e nem foram me visitar.” E esse grupo responderá: “Mas quando foi que isso aconteceu? Nós nunca te vimos em nenhuma dessas situações?” e Yeshua responderá: “Quando vocês deixaram de fazer a qualquer um dos pequeninos, vocês deixaram de fazer a mim.” E eles dirão “Mas Yeshua, em teu nome expulsamos espíritos maus, curamos doentes e fizemos maravilhas!” E Yeshua responde: “eu não vos conheço”. O Rabino Abraham Joshua Heschel, um importantíssimo representante do movimento Chassídico moderno, se não me engano ele era da segunda geração de líderes depois de Baal Shem Tov, disse algo muito importante em um de seus livros. Ele dizia que “Quando a fé é substituída pela profissão de fé, a adoração pela disciplina, o amor pelo hábito; quando a crise é ignorada pelo esplendor do passado, a fé se torna mais propriamente uma herança tradicional do que uma fonte de vida; quando a religião fala mais pela autoridade do que pela voz da compaixão, sua mensagem torna-se sem significado. A religião é uma resposta aos problemas fundamentais do homem”. Não foi justamente isso que, em outras palavras, Yeshua disse?
Maimônides ensinava oito formas diferentes de se fazer Tsedaká. Existe uma forma mais elevada e outra muito mais baixa de praticar caridade. Vou explicar-lhes o que ele ensinava da forma mais elevada para a mais rebaixada. Basicamente, quanto mais se elimina a humilhação de quem precisa receber caridade, mais elevada se torna a Tsedaká. Quanto mais humilhação quem recebe Tsedaká precisa passar para recebê-la, mais rebaixada se torna a Tsedaká. Vamos lá....
A forma mais elevada é aquela que retira completamente a pessoa pobre da situação de humilhação e muitas vezes é forma mais fácil de Tsedaká. Exemplos dessa forma são dar um presente ou empréstimo para uma pessoa, ou acolhê-lo como sócio ou ajudando-o a conseguir um emprego. Muitas vezes, a Tsedaká mais espiritual não nos custa 1 centavo do bolso!
Um pouco mais rebaixada que a forma anterior, está em fazer uma doação secreta, aquele que doa não sabe para quem vai, aquele que recebe não sabe de onde veio a doação. Assim, nenhum vinculo de favores pode ocorrer. Do tipo, “eu te ajudei financeiramente, agora você me deve uma”. E é certamente menos humilhante para quem recebe.
Abaixo dessa está o doar anonimamente: o doador sabe para quem vai, mas quem recebe não sabe de onde veio a doação.
Logo abaixo está uma situação em que o beneficiado sabe de onde veio a caridade, mas quem doou não sabe para quem foi. Alguns rabinos amarravam moedas em seus xales e as jogavam para trás. Assim, quem precisasse de caridade poderia pegar as moedas sem ter que passar pela humilhação de ter que pedir.
Abaixo da anterior, está a de ajudar um necessitado antes que ele peça;
Em seguida, temos a de ajudar um necessitado depois que ele teve que passar pela humilhação de te pedir.
Em seguida, temos a de “doar menos do que o pobre necessita, mas doar de forma amável”.
E em último lugar, a forma mais baixa de se fazer caridade é doar de má vontade, que o Eterno nos livre disso.

Eu não conheço nenhum mendigo que fale hebraico, eu posso demonstrar amor para ele usando minha o própria língua, o português. Que o Eterno nos ajude a fazer o bem aos outros com aquilo que já temos a capacidade de usar, de falar, de agir. Que a cada um de nós seja concedida criatividade para curar as feridas abertas desse mundo que Ele criou e tanto ama.
Edgard MacFraggin'

Os Outros Povos Choram




Há um tempo atrás, escutei numa palestra do Rabino Lord Jonathan Sacks sobre uma moça judia que participava de um projeto de ajuda social na África. Infelizmente, não me recordo o nome dessa moça. O Rabino Sacks contava o motivo pelo qual ela havia ido à África ajudar as pessoas ali. Ela disse algo mais ou menos assim em referência à Segunda Guerra Mundial: “Nosso povo chorou durante anos e ninguém os escutou. Outros povos estão chorando agora e será que nós não os vamos escutar?”
Que exemplo profundo de amor. O Rabino Moré Ventura ensina algo mais ou menos assim: “Nós judeus somos B’nei Avraham, Filhos de Abraão, mas todos nós humanos somos B’nei Elokim, Filhos do Eterno, bendito seja ele”. Somos todos filhos de um mesmo Pai. O Rabino Meir Melamed chama-nos atenção em um comentário de Bereshit (Genesis) 29:15:
“É interessante notar com que espontaneadade a gente da antiguidade tratava uns aos outros de irmãos. Labão considerou imediatamente Jacó como seu irmão. Jacó chamou de irmãos a uns pobres pastores idólatras. ‘Meus irmãos, de onde sóis vós?’ (Bereshit 29:4). Essas duas palavras não podem passar despercebidas, e a humanidade deveria aprender, finalmente que, sendo uma só família, o trato com os nossos semelhantes tem que ser de irmão para irmão.”
Esse comentário é encontrado na pág. 59 da Torá traduzida e comentada pelo Rabino Meir Matzliah Melamed.

Todo ato terrorista é absolutamente condenável. Mas será que podemos esperar receber amor de palestinos e muçulmanos enquanto existem judeus que odeiam outros povos ou pessoas de outras religiões? Só podemos esperar amor deles quando não mais partir ódio de nosso lado. Não podemos usar dois pesos e duas medidas. Só receberemos uma medida de amor quando uma medida de amor partir de nosso lado. Será que a morte ainda que seja de um terrorista não deixa nenhuma criança órfã ou mulher viúva? Será que essa criança ou essa viúva não irão chorar e se entristecer pela morte de seu pai ou esposo? E eles pelas atitudes de desse terrorista? Será que vamos deixar de no mínimo rezar para que o Eterno console esses corações? Mas será que não podemos fazer mais?

Nós todos temos como exemplo nossos patriarcas. Será que nós teríamos a audácia de odiar o que Abraão nosso pai amava? Será que podemos odiar e desejar sofrimento a quem Isaac nosso pai amava? Abraão abençoou Ismael e Isaac abençoou Esaú. Eles dois não se tornaram parte do povo judeu, mas isso não os privou de ser abençoados. Se fazemos parte do povo judeu é para que através de nós “todas as nações da terra sejam benditas”, isso está na Torá. Devemos viver um Judaísmo relevante para a sociedade atual. Ser uma vela acesa debaixo do sol de meio dia é muito fácil. Difícil é ser como uma vela acesa em meio as trevas. Mas foi justamente para isso que as velas foram criadas.
Edgard MacFraggin'

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Dogmas Caninos

         “Cachorro” em inglês se diz “dog”. E como são interessantes esses animais, chegando a ser considerados em muitas culturas como “o melhor amigo do homem”. Apesar de muito carinhosos, não é nada recomendado brincar com um cachorro que está saboreando um osso ou algum outro alimento: nesses momentos, o instinto predomina e eles têm uma tendência a se mostrar agressivos, por imaginar que querem lhe tomar o osso. Um animal não é capaz, na maioria dos casos, de dividir seu alimento com outros que não a sua prole. Assim, diante da possibilidade da perda, os cães reagem de forma única, a saber, agressivamente. Se um cão quer o osso de outro, ele provavelmente irá disputar o alimento em uma briga. Cães são incapazes de pensar em comprar o osso do coleguinha peludo, ou mesmo de trocar, ou de pedir educadamente. Eles respondem diante dessa situação e de tantas outras de uma Única Forma.
Felizmente, nós não somos como cães. Entretanto, muitos de nós nos comportamos de maneira semelhante em muitos casos. Alguns de nós chegam a ter Atitudes Únicas diante de diferentes situações. Esse é o caso dos dogmas. É muito interessante notar que justamente a palavra “dog” (“cachorro” em inglês) está presente na palavra “dogma”. Assim, uma fé Dog-mática é uma fé adequada a um cão, lhe cabe muito bem; pois agir de forma dog-mática é agir como os cães agem, de Forma Única diante de tudo. Mas a nós, só pode fazer mal, nós não somos cães. Somos convidados a ponderar sobre diferentes situações, e em todo o tempo.
No livro “A Ética do Sinai”, de Irving Bunim, é nos dito que não é bom ser vizinho de um Chassídico tolo. O Chassídico tolo é semelhante a um homem de uma história contada pelo nosso povo. Uma mulher estava se afogando e um suposto sábio, depois de vê-la pedir ajuda, virou de costas e seguiu seu caminho, deixando que ela morresse. E por que ele fez isso? Pois pensou na proibição que existe de que “um homem não deve tocar uma mulher que não seja sua esposa”. Esse homem agiu como um cão. Deveria ele ter se lembrado de que a vida é maior que esse preceito, assim, ele tinha a obrigação de salvar a mulher que se afogava.
Deve ser por isso que os cães não fazem perguntas: como eles tem apenas um tipo de resposta para cada pergunta, estas se tornam dispensáveis. Mas nós nos fazemos perguntas o tempo todo e diante de diferentes situações temos o Dever Religioso de dar Respostas Diferentes. O Rabino Lord Jonathan Sacks nos ensina que “Responsabilidade é ter Habilidade em dar Resposta”. Eu diria, parafraseando-o que “Responsabilidade é ter Habilidade em não ser um cão”.
Edgard MacFraggin’

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Ame o Idólatra

Talvez o título desse artigo seja, a princípio, um pouco chocante. Mas vamos juntos refletir sobre o tema. E vamos começar pelo amanhecer de cada dia. Todos os dias, ao acordarmos, agradecemos ao Eterno pela alma que Ele nos devolveu, mantendo-nos com vida. Uma possível tradução da reza que recitamos é essa: “Dou graças perante Ti, ó Rei vivo e existente, que devolveste a minha alma com piedade, grande é Tua fé em nós”. O Eterno, bendito seja, demonstra ter fé em nós, por isso Ele devolve, por assim dizer, a nossa alma todos os dias – na tradição rabínica, o momento em que dormimos é considerado como uma mini-morte. Mas justamente pelo Eterno acreditar que nós vamos nos tornar melhores, que vamos servi-Lo e fazer o bem é que Ele nos dá a oportunidade de continuarmos a viver. 

Todas as criaturas vivas, mesmo que não tenham consciência disso, também recebem do Eterno suas almas todos os dias. Talvez possamos inferir disso que Ele também tem fé em todos nós, em toda a humanidade. Um ladrão pode deixar de roubar, um mentiroso pode se arrepender, um idólatra pode se tornar um servo do Eterno. Enquanto há vida, há possibilidade de Retorno, há possibilidade de Teshuvá. Mas se morrermos, as chances acabam. Depois da cova não mais nada que possamos fazer no Plano Físico. 

Os rabinos ensinam que “Sem Torá não há Pão e sem Pão não há Torá”. Não é possível servir ao Eterno adequadamente padecendo necessidades físicas, beirando o leito de morte. Assim, como é que alguma pessoa retornará ao Eterno se tem a morte e o sofrimento como companhias constantes? Ainda mais, como essa pessoa vai querer servir a um D’us que seus próprios seguidores não são capazes de demonstrar amor aos que não pertencem ao seu próprio grupo? Como disse Yeshua, “amar nossos amigos é algo muito fácil, até os pagãos fazem isso - o difícil é amar nossos inimigos” e nós somos chamados a isso. Na parashá Vaietzé (Bereshit “Gênesis” 28:10 – 32:3), Jacó chama a uns pastores de origem étnica desconhecida de “meus irmãos” (Bereshit “Gênesis” 29:4). O Rabino Meir Melamed, em seu comentário sobre o versículo “ama o próximo como a ti mesmo” (Levítico 19:18), chama atenção de que nós devemos amar a todos os homens, pois o termo “irmãos” foi usado para não israelitas. E até mesmo os idólatras fazem parte desse “todos”. Existe uma enorme chance de que os pastores desconhecidos que Jacó chamou de “irmãos” fossem homens idólatras. 

Na Torá, lemos sobre a destruição de uma geração e a destruição de uma cidade. Em ambos os casos, a destruição partiu do Eterno e não de mãos humanas. Antes do Dilúvio, Noé poderia ter anunciado para que o povo se arrependesse, mas não o fez. Por isso, foi considerado um “justo em sua geração”, e essa atitude dele foi criticada por vários rabinos. Antes da destruição de Sodoma-Gomorra, Abraão clama pela cidade ímpia. Ele se importou com a vida humana ali e rezou por eles, ainda que fossem idólatras. O Midrash nos conta que Abraão gostava de receber pessoas desconhecidas em sua casa e lhes oferecia uma refeição, apenas para que ao final dela as pessoas bendizessem o Nome do Eterno. Certa vez, ele recebeu em sua casa um homem idólatra de 70 anos de idade. Depois da refeição Abraão pediu que o homem bendizesse o Eterno, mas ele se recusou. Abraão perdeu a paciência e o 
expulsou de sua tenda. O Eterno então chamou a atenção de Abraão: “Abraão, Eu tenho suportado esse homem idólatra viver em Mim mesmo por 70 anos e você não é capaz de suportá-lo por cinco minutos?” Se o Eterno permite que os idólatras vivam, é porque talvez haja esperança de que eles se convertam de seus caminhos. Se o Eterno assim age, quem somos nós para agirmos de forma diferente supostamente em Nome Dele? O Eterno não mandou que Jonas fosse até a cidade idólatra de Nínive anunciar que se arrependessem? E eles não foram salvos da destruição? Quanto ao amor, não há diferença entre o “guer” e o “gói”, entre o estrangeiro que ama ao Eterno e o Idólatra. Devemos amar a todos. O Rabino Lord Jonathan Sacks chama atenção para o fato de que Torá diz uma única vez “ama ao próximo como a ti mesmo” e 36 vezes “ama o estrangeiro”. Fazendo uma guematria rápida, se somarmos os algarismos temos que:

1 + 36 (1 vez “ama o próximo” + 36 vezes “ama o estrangeiro”) = 1 + 3 + 6 = 10, 

ou seja, talvez possamos entender que nosso amor só é completo quando amamos a todos, sem distinção de etnia, religião, ou qualquer outra coisa, pois o número 10 faz alusão a algo que é completo. Imagine o peso que estará sobre nossas costas no Último Dia se negarmos amor a um idólatra? Se por conta da somatória de nossas atitudes em demonstrar amor e em lhes fazer caridade um deles morrer e nós formos responsáveis pela morte dele? E por ter morrido ele não ter feito Teshuvá? Que o Eterno nos livre disso. Em minha opinião, um idólatra bom é um idólatra vivo, pois apenas vivo ele terá a possibilidade de se arrepender e fazer Teshuvá. Depois de morto, o que poderá ser feito? 

Se negamos estender a mão para quem quer que seja, estamos nos colocando como juízes sobre essa pessoa. E com o “mesmo peso que julgarmos, seremos julgados também”. Que o Eterno nos ensine a fazer Darkê Shalom, a viver “Caminhos de Paz”, como ensina o Rab. Jonathan Sacks, com todos os que nos cercam. Somos realmente proíbidos de participar de qualquer idolatria. Mas se até a vida animal é importante e temos diversos mandamentos quanto a eles, muito mais não temos em relação à preservação da vida humana?

Edgard MacFraggin’

domingo, 9 de novembro de 2014

Ciúmes: um termômetro para o bem e um aquecedor para o mal

Uma piadinha pra descontrair :) 
Esses dias, tomei conhecimento de um fato que pareceu-me uma clara demonstração de ciúme, o que fez lembrar-me de uma outra situação que ocorreu comigo, cerca de 12 anos atrás. Na época, eu estava com aproximadamente 15 anos de idade. Viajei até a cidade onde mora minha tia, para passar ali alguns dias com eles.
Assim que cheguei, minha prima, um ano mais nova que eu, me convidou para irmos tomar um sorvete, num lugar ali perto. Junto conosco, iria um rapaz aparentemente um pouco mais velho que eu e aparentemente amigo de minha prima. Estávamos conversando bem, o cara parecia ser legal e tal. Até que chegamos na sorveteria. Eu cheguei e me servi e minha prima também se serviu. O rapaz, entretanto, não o fez. Pensei comigo mesmo "ah, ele não deve gostar muito de sorvete ou então vai comer outra coisa", ou algo semelhante a isso.
Para a minha surpresa, minha prima e o rapaz começaram a tomar o sorvete que minha prima havia servido juntos! Quando aquela cena se colocou diante de meus olhos eu fervi de raiva. Recordo-me de ter vontade de mandar minha prima se servir novamente e deixar aquele sorvete para o rapaz, pois "prima minha não fica tendo refeições desse jeito". Bom, eu não disse nada da ocasião, mas acredito que, pelo menos minha prima, deve ter percebido que o "clima fechou" pra mim naquele momento. Não sabia eu, ninguém havia me contado ainda, que minha prima estava namorando com aquele rapaz. Mas é capaz que mesmo que eu soubesse teria reagido de maneira semelhante.
Acho que tudo isso me fez parar e refletir sobre essa questão de sentir ciúmes. Poxa, por que nós o sentimos? Eu particularmente não gosto de sentir ciúmes e não acho que a manifestação pública dele seja algum tipo de demonstração de amor, como muitos entendem, mas sim uma manifestação de possessão, de achar que é possível ter posse ou propriedade do outro. E geralmente, manifestações exteriores de ciúmes acabam em problemas ou até mesmo tragédias. O problema é que o ciúme inevitavelmente se manifesta.
Será que ele pode ser considerado como bom? Pode ser que sim, pode ser que não. Eu penso que o ciúmes é com certeza algum tipo de termômetro. Só sentimos ciúmes de pessoas ou coisas que nos são preciosos. Assim, esse ciúme-termômetro pode ser uma ferramenta completamente pessoal de autoanálise, de um auto reconhecimento de por quem sentimos ciúmes nos é muito precioso. E, nessa analogia, o ciúme se torna um termômetro-aquecedor é que ele se torna problema, muitas vezes destrutivo. Vou usar um exemplo para explicar.
Vamos imaginar que um cachorrinho chegou passando mal na clínica. Pegamos o termômetro para aferir a temperatura e constatamos que ele está com febre e bem alta, correndo risco de vida. O que devemos fazer? Certamente, ligar um aquecedor NÃO está entre as opções de tratamento. A função desempenhada pelo termômetro foi muito boa, pudemos aferir a temperatura do animal e poderemos também acompanhar a evolução do quadro. Agora, que função em resolver o quadro febril teria um termômetro-aquecedor demoníaco? Nenhuma. Se esse termômetro, ao constatar que o animai estivesse febril começasse a aquecê-lo, muito provavelmente acabaria ocasionando óbito no animal, não ajudando em nada na resolução do quadro. Quem deve reagir a situação que deixou o cachorro febril é o próprio cachorro e não o termômetro. No caso de ciúmes, quem deve tomar alguma atitude não é o ciumento e sim a pessoa a quem ele tem ciúmes - se for o caso, pois também existem os ciumentos compulsivos. A presença do ciúme serve para que, se ainda não houvermos percebido, percebamos que tal pessoa coisa nos é importante. Agora, reagir a isso e tornar o cipumes público é apenas uma reação de aquecimento, que pode gerar uma situação de pequeno desconforto indo até mesmo à morte.
Como disse anteriormente, não entendo que demonstrar ciúmes seja uma manifestação de amor. Muito pelo contrário: pessoas que fazem isso me parecem sentir-se donas do Outro. Entretanto, eu acho que pessoas que criam situações para que o Outro sinta ciúmes dela são pessoas profundamente doentes e que comentem um pecado abominável. E quando um dos amantes percebe que seu amado está sentindo ciúme, assim como um cão febril deve reagir à própria febre, esse amante deve reagir visando amenizar a situação, acabar com a medição de febre do termômetro daquele que sente ciúmes. Talvez valha a pena, diante de uma situação dessas, que quem é alvo de ciúmes tranquilize o termômetro do outro e isso pode ser feita de diversas formas. Um amigo meu me contou uma situação que achei de genial resolução. Esse meu amigo é um cara boa pinta, "bonitão" e tal. Certa vez, ele havia ido com a namorada à uma churrascaria, pra ter uma noite de casal. Uma moça ilustremente desconhecida que estava ali teve o descabimento de chegar até eles e pedir pra tirar uma foto junto com meu amigo! Ele disse que naquele momento, o clima fechou. Instaneamente, ele percebeu que a namorada dele havia ficado - com razão - uma fera e que a noite romântica deles estava a ponto de escorrer pelo ralo. O que ele fez? Sacou em frações de segundo uma ideia muito inteligente. Ele respondeu à inconveniente moça mais ou menos assim: 

 - Claro que podemos tirar uma foto, mas só se na foto eu estiver beijando minha namorada! 

Genial, não? Assim, diante de uma situação que tinha o potencial pra ferver, o amor deles foi adequadamente reafirmado e a situação se resolveu. Acredito que aquele foi um dos melhores encontros românticos que meu amigo teve.


Edgard MacFraggin'

domingo, 2 de novembro de 2014

Uma história sobre o Reve de Nemirov

Essa história é encontrada no livro do Rabino Lorde Jonathan Sacks, "Para Curar um Mundo Fraturado", da Editora Sefer.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Audios de contos do Judaísmo

Visando compartilhar belos contos que existem no Judaísmo, estou pensando em de quando em quando gravar essas histórias e compartilhá-las via Soundcloud. Aqui vão duas gravações: 



sábado, 11 de outubro de 2014

Lech Lechá: retornando ao começo

Crianças lhe foram trazidas para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas, mas os talmidim repreendiam as pessoas que as traziam. Entrentanto, Yeshua disse: ‘Deixem as crianças chegar até mim e não as impeçam, porque o Reino do Céu pertence a quem é como elas’. Depois de lhes impor as mães, seguiu seu caminho”.
Mattityahu 19:13-15 (BJC)

Eu acho que quase sempre as crianças são muito sinceras, principalmente quando se encontram em um determinado ambiente em que se sentem à vontade. Sempre falam coisas que talvez um adulto não fosse falar, são extremamente sinceras, não apenas com os outros, mas penso que são sinceras consigo mesmas. Parece que elas sabem quem são, qual Mazal é o delas e quais ferramentas elas têm pra cumpri-lo, qual missão elas devem cumprir aqui nesse Mundo. Recordo-me de quando era criança. Era um garoto esperto e bagunceiro. Não parava quieto, gostava muito de falar e de fazer os outros rirem. Amava quando me achavam engraçado. Amava desenhar – principalmente desenhar sapos – e não escondia de ninguém que minha cor preferida era (e ainda é) o verde. Além disso, amava animais. Entre meus familiares (principalmente entre meu irmão e primos) e entre os amiguinhos de infância era um carinha falador, extrovertido e que “liderava” a bagunça. Veja a foto ao lado: era o próprio “Pestinha”[i] brasileiro! Quando tinha entre nove e onze anos de idade li talvez mais de 20 vezes o livro “Menino Maluquinho” do Ziraldo[ii]. Gostava bastante do final do livro, onde era dito algo do tipo “o Menino Maluquinho cresceu e percebeu-se que ele não havia sido maluquinho e sim uma criança feliz”. Acho que era assim que acabava o livro, mas não tenho certeza agora. Mas de qualquer forma, foi essa a mensagem que ficou pra mim. Eu queria crescer e olhar para trás e ver que eu havia sido um “menino feliz”. Hoje, eu acho que fui.
Até que veio a adolescência. Acho que por ficar com muito receio de as garotas não se interessarem por mim, pela minha forma de ser, comecei a me fechar. Minhas verdades infantis, aquilo que eu sabia sobre eu mesmo foram deliberadamente soterradas com a lama da mediocridade. Mediocridade, como me explicou a Dra. Ana Mariza Fontoura Vidal, é aquilo que é médio, aquilo que massifica e retira as individualidades. Assim, de uma criança extrovertida, passei a ser um adolescente introvertido; de engraçado a chato; de otimista a pessimista; ao final da adolescência e início da juventude, desenhar se tornou mais raro. Até mesmo meu gosto por verde passou batido por uns anos: me forcei a comprar roupas de outras cores, mesmo sem querer usá-las. Tentava deixar de ser “eu mesmo” em diferentes níveis e me diluir na Grande Massa, nem que fosse na marra. Só que não deu certo.
Como é difícil isso de fazer Lech Lechá[iii], de “ir ao encontro de si mesmo”. A tradição judaica diz que as crianças têm uma percepção muito elevada do mundo espiritual. Recordo-me de um texto que o Rabino Nilton Bonder conta uma história em que pessoas de diferentes idades falando da lembrança mais antiga que possuíam. Ao final da história, via-se que a pessoa quanto mais nova fosse, mais ela lembrava da vivência espiritual que tinha tido antes de nascer, do “Banco de Almas” por assim dizer. Quanto mais velha, menos se lembrava, entretanto, mais próxima estava de retornar ao lugar separado pelo Eterno, bendito seja. Quero me focar no primeiro caso. Acho que isso faz muito sentido no contexto que Yeshua colocou: quem não retornar a “ser como criança” não pode herdar esse Reino, que colocarei em um sentido metafórico. Nesse forma que coloco, esse Reino é o cumprir a vontade do Supremo Rei. Aquele que cumprir Sua Bendita Vontade certamente herdará um bom lugar em Seu Reino. Como as crianças chegaram nesse mundo há pouco tempo, elas sabem, teoricamente, melhor que os adultos qual é a Vontade do Rei, bendito seja Ele.
O livro “O Sagrado” [iv] é um livro muito bonito. Fala do “segredo do segredo”. Eu não vou contar o que é o “segredo do segredo”, acho que vale a pena ler o livro. Enquanto lia, percebi que muita coisa que pensava quando criança possui validade hoje. E que eram verdades mais profundas que as verdades que fui adquirindo no lamaçal da mediocridade. Talvez possa ser esse um dos sentidos de quando Yeshua disse sobre “nascer de novo”. “Nascer de novo” é uma possibilidade de se retornar a essa Infância – e de que de lá ninguém saia. Acho que hoje meu trabalho é meio de paleontólogo: com um delicado pincel, preciso ir cavucando e retirando esse Lamaçal, com muito cuidado para não danificar o precioso material que ficou soterrado. É necessário deixar à mostra o que foi desenterrado e expressar a individualidade. Como disse o Rabino David Aaron[v], é apenas assim que podemos expressar o nosso amor, seja pelo Rei, seja por nossos semelhantes.
Concluo lembrando-me da Dra. Ana Mariza, me contando sobre a percepção que teve ao visitar um museu sobre Pablo Picasso: “ele passou a vida inteira para aprender a pintar como Criança...”

Edgard MacFraggin’





[i] Personagem Júnior, do filme “O Pestinha”(Problem Child), EUA, 1990.
[ii] Editora Melhoramentos, 1980.
[iii] Parashá Lech LecháBereshit (Gênesis) 12:1-17:27.
[iv] Do Rabino Nilton Bonder, Editora Rocco, 2007.
[v] “O Amor é Minha Religião” (Love is my Religion), editora Sêfer, 2003.

sábado, 9 de agosto de 2014

O Estreito Caminho do Lech Lechá

              Tenho refletido de uns tempos pra cá na temática do Lech Lechá, da alteridade, de servir ao Eterno de forma pessoal no sentido da identidade que Ele deu a cada um. Penso que tudo isso conversa entre si e é a forma que temos de cumprir nosso Tikun, de ser a forma de cumprir a missão individual que o Eterno nos deu, de consertar a parte fraturada do mundo que cabe a cada um.
                Não sei todos os leitores conhecem o conceito de Lech Lechá (lê-se Ler Lerrá – sendo esse rr com som gutural, semelhante à algumas pronuncias do francês). É um conceito profundo do Judaísmo. Esse é o título de uma parashá (porção semanal) da Torá, porção encontrada em Bereshit (Gênesis) 12:1-17:27. Ali é contada o famoso chamado que D’us fez a Abraão, o “sai da tua terra e da tua parentela...”. Mas Lech Lechá pode ser traduzido como “vá ao encontro de você mesmo”. Estranho, não? Mas é aí que reside o significado profundo do termo. O Eterno sabia que o destino de Abraão era ser pai de uma grande nação, era viver fora da Babilônia, era ter Isaac, etc. Mas Abraão era completamente diferente dessa descrição no início de seu relato. Se ele não saísse “da terra e da parentela” ele seria alguém diferente do que o Eterno tinha para ele. É como se ele não fosse ele mesmo, pois o destino de Abraão era ser um Patriarca. Mas ele só atingiria isso se ele deixasse a situação confortável em que ele vivia, se ele se sacudisse, se levantasse e lutasse para atingir o potencial daquilo que o Eterno havia permitido para ele.  Nesse sentido, cada um de nós tem um Lech Lechá a fazer. E isso tem tudo a ver com alteridade, com individualidade, com um relacionamento pessoal e único com o Espiritual.
                Nesse sentido de Lech Lechá, estive pensando sobre o que Yeshua queria dizer sobre os dois caminhos, o largo e o estreito. Quero mostrar uma outra possível interpretação de todo o capítulo VII do livro de Mattityahu (Mateus), analisando todos os versículos à luz dos versículos 13 e 14, que é quando Yeshua cita esses dois caminhos. A interpretação que darei será diferente da interpretação usual dada aos versos 13 e 14, o que possível de ser feito sob uma ótica de interpretação bíblica judaica. Vou seguir o texto analisando os versículos em blocos, então sugiro para um melhor entendimento uma leitura prévia ou simultânea do capítulo VII de Mattityahu (Mateus). 
·         Versos 1 a 5: Yeshua começa mostrando algo do tipo “cuide da sua vida. Concentre-se em você mesmo, não nos outros. Cuide de realizar o Seu Caminho, Sua Missão, Seu Mazal, Seu Destino.” Desobedecer a esse ponto trará, certamente, tristes consequências.
·         Verso 6: Aquilo que é sagrado é, por definição, aquilo que é separado. No contexto de Lech Lechá, o que há de mais separado para alguém é a sua própria individualidade. Nenhuma outra pessoa possui uma individualidade como a tua. Abrir mão dessa individualidade é abrir mão do Lech Lechá. É dar sua própria vida aos cães, e, caso faça isso, eles a destruirão.
·         Versos 7 a 11: “Peçam continuamente...” Devemos continuamente buscar ao Eterno, perguntando-Lhe qual é o Nosso Caminho. Pois se pedirmos que Ele nos abra uma porta, Ele irá abrir não uma porta qualquer, mas a Porta pela qual devemos entrar, a Porta de nosso próprio Lech Lechá. Ele é nosso Pai: Ele abre as portas boas e fecha as portas más.
·         Verso 12: Yeshua ensina que devemos respeitar a individualidade dos outros, pois cada um de nós aprecia e gosta que nosso individualidade seja respeitada.
·         Versos 13 e 14: Nesse ponto Yeshua trás o magnífico conceito dos Dois Caminhos. Em relação ao Caminho Estreito, uma possível interpretação seja de que ele seja diferente e único para cada um de nós. Ou seja, ele é estreito justamente por apenas uma pessoa poder passar por ele e nenhuma outra. O Caminho Largo é acessível a todos, pois é o Caminho da Massificação, o lugar em que se perde a identidade e passa-se a fazer parte da grande massa – uma massa metafórica em que os ovos, o açúcar, a farinha, a manteiga e o fermento perderam todos a sua própria identidade e se tornaram uma massa única e indistinguível. É esse Caminho Largo o lugar onde as pessoas deixam a Missão que o Eterno as deu, visando seguir o que é mais fácil e cômodo. É o caminho que está em oposição ao Lech Lechá e que conduz à perdição, pois se não seguirmos os Planos do Eterno para nós, estaremos perdidos. “Poucos entram no Caminho Estreito”, disse Yeshua, não por conta de sua estreiteza (pois, nesse sentido, há um “Caminho Estreito” para cada um de nós), mas pela dificuldade que é cumprir o Lech Lechá, o “sair de nossa terra e de nossa parentela”. Fazer o que todo mundo faz, perder a individualidade, ser massificado, andar pelo Caminho Largo é muito mais fácil e confortável que trilhar na contra-mão do sistema, que andar pelo Estreito Caminho do Lech Lechá.
·         Versos 15 a 20: Uma vez que estiver no Estreito Caminho, tome cuidado com as pessoas que se aproximarem de você. Pode ser que eles queiram te oferecer um alimento apetitoso aos olhos e talvez até mesmo ao paladar, mas que será ruim a longo prazo, visto que esse alimento irá te engordar de tal forma que ficarás metaforicamente entalado no Caminho Estreito, tendo que perder tempo com dietas ou correndo o risco de ficar tão gordo que terás que ir pelo Caminho Largo.
·         Versos 21 a 23: Não é todo mundo que diz que cumpre seu Lech Lechá que realmente o cumpre. Baseado no bloco de versos anterior, analise os frutos dessa pessoa, se são frutos de alguém que preserva e faz o bem através de sua individualidade, ou se são frutos de alguém que demonstra frutos de origem massificada.
·          Versos 24 a 27: Existem testes diferentes em tipo e intensidade separados desde o Princípio pelo Eterno para cada um de nós, independentemente de qual dos dois Caminhos iremos trilhar. No Caminho Estreito de cada um estão as ferramentas apropriadas para se proteger desses testes. No Caminho Largo, as ferramentas são impróprias e inúteis. Um homem estava destinado desde o Início dos Tempos a enfrentar uma terrível tempestade. Se ele fosse pelo Caminho Largo, iria encontrar apenas a possibilidade de construir uma casa sobre a areia, quando a tempestade viesse, ele estaria arruinado. Se tomasse seu próprio Estreito Caminho (Lech Lechá) ele teria a chance de construir a casa sobre a Rocha: quando a mesma tempestade viesse, ele estaria protegido. Essa parábola demonstra o poder do Lech Lechá.
·         Versos 28 e 29: o capítulo acaba lindamente ao dizer que “as pessoas admiravam esses ensinamentos de Yeshua, pois ele não ensinava como os ‘outros’ ensinavam, ele transmitia seus conhecimentos com uma ‘autoridade’ própria”, ou seja, a autoridade que alguém possui por andar em Seu Próprio Estreito Caminho – e essa autoridade (a Autoridade de alguém que é Autor) só pode ser obtida assim.


Edgard MacFraggin’ 

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Rock’ N’ Roll: a Origem do Ódio

               As pessoas que me conheceram no final da adolescência perceberam um período de mudança intensa a respeito de minha pessoa. Eu estava deixando de ser aquele menino gordinho com cabelo “cogumelo” e me tornando um jovem adulto de cabelos longos, roupas pretas, correntes e muito Rock N’ Roll nos ouvidos. Realmente, o Rock’ N’ Roll é um estilo que trás arraigado a si mesmo o “ser rebelde”.
                 Cansei-me de escutar pessoas de diferentes religiões afirmando categoricamente que Rock é “coisa do diabo”, que é algo mal, que ninguém que serve a D’us deveria escutar. Eu acho interessante que muitas pessoas acham que eu deixei de ser roqueiro. Não foi porque eu cortei o cabelo que eu deixei de gostar do estilo. Creio que eu sou mais roqueiro do que antes, inclusive: nesse período conheci novas bandas e tenho curtido novos estilos. É incrível ver como esse assunto é tratado como um tabu religioso. Até hoje.  
                Mas qual a “Origem do Ódio” ao Rock? Vale a pena a leitura dessa dissertação do Sr. Eric Vaillancourt (2011), intitulada “Rock ' n' Roll in the 1950s: Rockin' for Civil Rights” (“Rock’ N’ Roll na década de 1950: balançando pelos Direitos Civis”. Para ver a dissertação, clique aqui). Ele pontua algo que eu temia ser a razão de tanto ódio desmedido contra o estilo. Mas, para falar disso, devemos entender a origem do Rock, como tudo começou.
                Nos EUA até a década de 1950, havia um enorme sentimento racista. Negros e brancos não podiam ficar juntos dentro de ônibus, não frequentavam os mesmos parques e nem mesmo as mesmas igrejas. A música que os brancos escutavam era diferentes da música dos negros. Naquela época, os negros americanos tinham um estilo musical próprio, o Rhythm and Blues [R&B] (de 1950, hoje o estilo é bem diferente do que era). Imaginem a “abominação” na cabeça dos brancos a ideia de escutar R&B. Entretanto, os adolescentes brancos daquela geração começaram a ter contato com o estilo e a gostar. Passaram a frequentar locais que os negros frequentavam. Daí, quando um homem branco chamado Elvis Presley começou a cantar R&B foi que “nasceu” o Rock. Digo “nasceu” pois ele já existia, os negros já o cantavam há muito tempo. Mas pra ter aceitação entre os brancos, foi necessário que se mudasse o nome. Até hoje o R&B é associado à musica negra, afro-americana.
                Os pais daqueles adolescentes ficaram loucos com isso. Seus filhos estavam escutando música de quem eles julgavam serem inferiores! E daí começa o lance da rebeldia. Os adolescentes brancos se rebelaram contra seus pais em prol de escutar Rock. E isso permitiu grandes avanços sociais em prol dos negros americanos. Naquela geração, brancos e negros começaram a reatar os laços, começaram a andar juntos. Hoje, eles têm um presidente negro! Isso certamente era inimaginável naquela época.
                Talvez, por conta do avanço dos Direitos dos Negros, falar que não se deveria escutar Rock pois era música de negros poderia soar certamente racista. Qual a solução? Coloque a culpa no “diabo”. Pra terem uma ideia, Elvis Presley e Larry Norman foram acusados de ser satanistas, servos do mal, etc. Escutem a música deles. Elas são bem “leves” perto de estilos que temos atualmente. Eles foram acusados injustamente. Vejam as letras das músicas. Não tem nada de mal nelas. Muitos outros grupos foram acusados e até hoje esse “papo” rola.
                Não estou aqui pra tapar o sol com a peneira e afirmar que “não existe nenhuma banda/grupo que tenha material ligado a demônios”. Existem realmente algumas bandas que colocam temáticas satânicas em suas letras e fazem coisas más perante o que a Torá ensina. Mas não são todos. Existe muito Rock’ N’ Roll que tem letras boas. Eu acho que as pessoas não conhecem praticamente nada do estilo e já saem tacando pedras aos montes, condenando o que nem conhecem. Cansei de escutar isso.
                Certa vez me apresentaram uns dados de pesquisas que mostravam que Rock e Rap fazem literalmente mal à saúde. Me falaram de dois experimentos diferentes, os quais desconheço as fontes originais. O primeiro foi com ratos. Colocaram os ratinhos pra escutar Rock e eles começaram a se canibalizar! A conclusão era de que o Rock os enlouqueceram ou algo do tipo e eles ficaram agressivos o que levou ao trágico fim dos roedores. Entretanto, não é assim que se analisa resultados de pesquisas. Não é assim que se faz Ciência. Qual foi o resultado encontrado no grupo controle? Por exemplo, imaginem que tinham dois grupos de ratos. O grupo 1 escutava Rock e o grupo 2 era o grupo controle, ou seja, eles não escutavam nada. Daí foi observado que nos dois grupos os ratos se canibalizaram. Assim, não se pode concluir que “escutar Rock” seja um fator que induza ratos a se canibalizarem. Ainda que os ratos tenham se destruído apenas no grupo 1, deveriam testar outros estilos musicais. Daí vamos supor que o grupo 1 escutava Rock e o grupo 2 escutava música Judaica e ambos se canibalizaram. Ou que qualquer que fosse o estilo colocado os ratos se canibalizavam. Daí, pode-se concluir que ruídos estranhos (oras, música não é um estímulo feito para ratos e sim para humanos!) estressam os ratos e eles se canibalizam. Ainda que isso seja verdade, tenho minhas dúvidas quanto a validade da extrapolação desse dado de ratos para humanos: somos espécies completamente diferentes.
                O outro experimento que me falaram a respeito foi um com mulheres gestantes. Os pesquisadores colocaram um head-phone encostado na barriga das moças gestantes e ligaram músicas do estilo Rap. Eles observaram que os pobres fetos “empurravam” contra a parte interna da barriga, como que querendo afastar esse som horrível de perto deles. Novamente, encontramos o mesmo problema anterior: não se analisa ciência dessa forma. Qual o resultado do controle negativo? Usaram outros estilos musicais? Quais os resultados deles? Eu acredito que não importa qual fosse o estilo musical colocado, eu acho que os fetos se sentiriam provavelmente bastante incomodados. Sabe aquela história de “não bata no aquário”? As ondas sonoras se propagam com mais intensidade em meios líquidos e sólidos do que no ar. Assim, realmente deve ensurdecedor para um bebê colocar um head-phone na barriga de sua mãe pra ele escutar, não importa qual música seja. O meio em que ele está é basicamente sólido e liquido, qualquer tipo de música deve chegar de maneira ensurdecedora lá dentro.  Mas daí novamente ficou de vilão o Rap, que faz mal pros bebezinhos.
                Outro ponto relevante é que não é apenas no Rock que existe material ligado ao paganismo (repito que não são todas as bandas). Existe muita música instrumental clássica que os compositores se basearam em deuses pagãos para compor. Só porque a música não tem letra não significa que o compositor não tinha ligação com o paganismo. Eu fico admirado em ver que um monte de gente que fala mal de Rock, Rap, etc, diz que gosta de música clássica. Às vezes, está escutando música pagã e nem sabe.  
             Alguns pensam que não devemos escutar música não-religiosa pois não conhecemos a intenção que o compositor da música teve ao escrevê-la. Assim, supõe-se que qualquer música de estilos como Rock, Metal, Rap, etc, sejam intrissicamente más, enquanto que qualquer música judaica, no caso dos judeus, e cristã, no caso dos cristãos, seja automaticamente boa. Só que há um grande problema nessa lógica: não dá pra saber a verdadeira intenção que os compositores tiveram ao compor. Assim, o máximo que consiguimos alcançar é supor que o compositor de música-religiosa teve uma boa intenção ao compor. Assim, pode até ser que um compositor tenha tido uma má intenção ao compor uma música, que tenha por exemplo colocado mensagens subliminares por trás da letra ou algo nesse sentido e nós talvez nunca iremos saber. Eu prefiro ter, pessoalmente, uma abordagem de ter um peso e uma medida. Eu não escuto músicas que falem positivamente ou que façam apologia ao que a Torá proíbe. Se uma música fala de idolatria, adultério, etc, eu não escuto. Fora isso, não vejo problema. Eu não sou capaz de julgar a intenção do coração de ninguém. E eu acho que pensar que músicas religiosas são automaticamente boas e que músicas não-religiosas são automaticamente ruins é usar dois pesos e duas medidas, pois é impossível saber qual era a intenção do coração do compositor religioso ou do secular. Eu não posso ser injusto e cometar tamanho pecado de me colocar como juíz das intenções alheias.     
                Eu conheço cristãos que acreditam que escutar música não-cristã é pecado. Eu conheço judeus que acreditam que escutar música não-judaica é pecado. Deve existir muçulmanos que pensem de modo semelhante, eu não conheço muitos muçulmanos. Se alguém quer se abster de música não-cristã ou de música não-judaica, no sentido de fazer um voto, muito bom, você está de parabéns e espero que se mantenha firme nesse propósito. Agora, afirmar que escutar Rock é pecado é uma coisa muito diferente. Por acaso a Torá proíbe escutar Rock? Proíbe escutar Rap? Não e não. Assim, não pode ser dito que é pecado escutar. Demonizar o Rock é pegar carona no sentimento racista, de ódio aos negros. Foi aí que começou esse ódio ao Rock. Que o Eterno nos livre disso.
                  Ainda, quem disse que ser rebelde é necessariamente ruim? Contaram-me uma vez uma parábola de um homem que tinha como destino derramar sangue. Não necessariamente isso era algo ruim. Ele podia ser um homicida ou um cirurgião. Podia matar ou salvar vidas. Ambas as atividades derramam sangue. Ser um rebelde contra um sistema sujo e corrupto é algo bom. Ser rebelde contra o pecado é algo bom. Por conta do Rock, muita coisa na sociedade mudou pra melhor, entre elas o reconhecimento de negros e brancos são iguais. Acho que Pai Abraão seria um bom roqueiro: ele pegou um martelo e se rebelou contra seu pai quando destruiu os ídolos que este fabricava. Isso é ser rebelde pro lado bom. Yeshua foi outro grande rebelde de seu tempo. Ele se rebelou contra a hipocrisia que estava presente em alguns daquele tempo. Ser rebelde não é intrinsicamente algo mal.
                Quanto a ter cabelos grandes, brincos e tatuagens: isso tudo é permitido aos não-judeus. Um não-judeu pode ter cabelo grande, usar brincos e se tatuar pois as 7 Leis de Noé não proíbem isso. Assim, todos esses roqueiros podem servir tanto ao Eterno quanto qualquer judeu, por exemplo. Querer forçar qualquer coisa que esteja além das Leis Noéticas aos não-judeus é considerado transgressão pelos Sábios Judeus e também Yakov condenou isso em Atos 15.
                Apesar do estilo “agressivo” de alguns roqueiros, eu acho que as pessoas mais doces e amigáveis que eu conheci eram roqueiros. Diversos amigos meus que eu conheci antes de fazer o retorno ao Judaísmo continuaram a ser  meus amigos depois do retorno. Respeitam minha religião, se preocupam quando vamos fazer alguma refeição juntos (por conta da cashrut), etc. Coisa que eu não vi presente em um monte de gente que não escuta Rock – e se bobear que até abomina o estilo. De que adianta isso? A santidade de alguém não reside no comprimento de sua barba ou de seu cabelo, em usar roupas pretas ou roupas brancas. A santidade transcende tudo isso.
                Se alguém quiser sugestão de músicas, deixe um comentário aí embaixo que eu mostro algumas que eu gosto bastante.
                Fiquem na paz,
Edgard MacFraggin’


Eu no início de 2011.