sábado, 9 de agosto de 2014

O Estreito Caminho do Lech Lechá

              Tenho refletido de uns tempos pra cá na temática do Lech Lechá, da alteridade, de servir ao Eterno de forma pessoal no sentido da identidade que Ele deu a cada um. Penso que tudo isso conversa entre si e é a forma que temos de cumprir nosso Tikun, de ser a forma de cumprir a missão individual que o Eterno nos deu, de consertar a parte fraturada do mundo que cabe a cada um.
                Não sei todos os leitores conhecem o conceito de Lech Lechá (lê-se Ler Lerrá – sendo esse rr com som gutural, semelhante à algumas pronuncias do francês). É um conceito profundo do Judaísmo. Esse é o título de uma parashá (porção semanal) da Torá, porção encontrada em Bereshit (Gênesis) 12:1-17:27. Ali é contada o famoso chamado que D’us fez a Abraão, o “sai da tua terra e da tua parentela...”. Mas Lech Lechá pode ser traduzido como “vá ao encontro de você mesmo”. Estranho, não? Mas é aí que reside o significado profundo do termo. O Eterno sabia que o destino de Abraão era ser pai de uma grande nação, era viver fora da Babilônia, era ter Isaac, etc. Mas Abraão era completamente diferente dessa descrição no início de seu relato. Se ele não saísse “da terra e da parentela” ele seria alguém diferente do que o Eterno tinha para ele. É como se ele não fosse ele mesmo, pois o destino de Abraão era ser um Patriarca. Mas ele só atingiria isso se ele deixasse a situação confortável em que ele vivia, se ele se sacudisse, se levantasse e lutasse para atingir o potencial daquilo que o Eterno havia permitido para ele.  Nesse sentido, cada um de nós tem um Lech Lechá a fazer. E isso tem tudo a ver com alteridade, com individualidade, com um relacionamento pessoal e único com o Espiritual.
                Nesse sentido de Lech Lechá, estive pensando sobre o que Yeshua queria dizer sobre os dois caminhos, o largo e o estreito. Quero mostrar uma outra possível interpretação de todo o capítulo VII do livro de Mattityahu (Mateus), analisando todos os versículos à luz dos versículos 13 e 14, que é quando Yeshua cita esses dois caminhos. A interpretação que darei será diferente da interpretação usual dada aos versos 13 e 14, o que possível de ser feito sob uma ótica de interpretação bíblica judaica. Vou seguir o texto analisando os versículos em blocos, então sugiro para um melhor entendimento uma leitura prévia ou simultânea do capítulo VII de Mattityahu (Mateus). 
·         Versos 1 a 5: Yeshua começa mostrando algo do tipo “cuide da sua vida. Concentre-se em você mesmo, não nos outros. Cuide de realizar o Seu Caminho, Sua Missão, Seu Mazal, Seu Destino.” Desobedecer a esse ponto trará, certamente, tristes consequências.
·         Verso 6: Aquilo que é sagrado é, por definição, aquilo que é separado. No contexto de Lech Lechá, o que há de mais separado para alguém é a sua própria individualidade. Nenhuma outra pessoa possui uma individualidade como a tua. Abrir mão dessa individualidade é abrir mão do Lech Lechá. É dar sua própria vida aos cães, e, caso faça isso, eles a destruirão.
·         Versos 7 a 11: “Peçam continuamente...” Devemos continuamente buscar ao Eterno, perguntando-Lhe qual é o Nosso Caminho. Pois se pedirmos que Ele nos abra uma porta, Ele irá abrir não uma porta qualquer, mas a Porta pela qual devemos entrar, a Porta de nosso próprio Lech Lechá. Ele é nosso Pai: Ele abre as portas boas e fecha as portas más.
·         Verso 12: Yeshua ensina que devemos respeitar a individualidade dos outros, pois cada um de nós aprecia e gosta que nosso individualidade seja respeitada.
·         Versos 13 e 14: Nesse ponto Yeshua trás o magnífico conceito dos Dois Caminhos. Em relação ao Caminho Estreito, uma possível interpretação seja de que ele seja diferente e único para cada um de nós. Ou seja, ele é estreito justamente por apenas uma pessoa poder passar por ele e nenhuma outra. O Caminho Largo é acessível a todos, pois é o Caminho da Massificação, o lugar em que se perde a identidade e passa-se a fazer parte da grande massa – uma massa metafórica em que os ovos, o açúcar, a farinha, a manteiga e o fermento perderam todos a sua própria identidade e se tornaram uma massa única e indistinguível. É esse Caminho Largo o lugar onde as pessoas deixam a Missão que o Eterno as deu, visando seguir o que é mais fácil e cômodo. É o caminho que está em oposição ao Lech Lechá e que conduz à perdição, pois se não seguirmos os Planos do Eterno para nós, estaremos perdidos. “Poucos entram no Caminho Estreito”, disse Yeshua, não por conta de sua estreiteza (pois, nesse sentido, há um “Caminho Estreito” para cada um de nós), mas pela dificuldade que é cumprir o Lech Lechá, o “sair de nossa terra e de nossa parentela”. Fazer o que todo mundo faz, perder a individualidade, ser massificado, andar pelo Caminho Largo é muito mais fácil e confortável que trilhar na contra-mão do sistema, que andar pelo Estreito Caminho do Lech Lechá.
·         Versos 15 a 20: Uma vez que estiver no Estreito Caminho, tome cuidado com as pessoas que se aproximarem de você. Pode ser que eles queiram te oferecer um alimento apetitoso aos olhos e talvez até mesmo ao paladar, mas que será ruim a longo prazo, visto que esse alimento irá te engordar de tal forma que ficarás metaforicamente entalado no Caminho Estreito, tendo que perder tempo com dietas ou correndo o risco de ficar tão gordo que terás que ir pelo Caminho Largo.
·         Versos 21 a 23: Não é todo mundo que diz que cumpre seu Lech Lechá que realmente o cumpre. Baseado no bloco de versos anterior, analise os frutos dessa pessoa, se são frutos de alguém que preserva e faz o bem através de sua individualidade, ou se são frutos de alguém que demonstra frutos de origem massificada.
·          Versos 24 a 27: Existem testes diferentes em tipo e intensidade separados desde o Princípio pelo Eterno para cada um de nós, independentemente de qual dos dois Caminhos iremos trilhar. No Caminho Estreito de cada um estão as ferramentas apropriadas para se proteger desses testes. No Caminho Largo, as ferramentas são impróprias e inúteis. Um homem estava destinado desde o Início dos Tempos a enfrentar uma terrível tempestade. Se ele fosse pelo Caminho Largo, iria encontrar apenas a possibilidade de construir uma casa sobre a areia, quando a tempestade viesse, ele estaria arruinado. Se tomasse seu próprio Estreito Caminho (Lech Lechá) ele teria a chance de construir a casa sobre a Rocha: quando a mesma tempestade viesse, ele estaria protegido. Essa parábola demonstra o poder do Lech Lechá.
·         Versos 28 e 29: o capítulo acaba lindamente ao dizer que “as pessoas admiravam esses ensinamentos de Yeshua, pois ele não ensinava como os ‘outros’ ensinavam, ele transmitia seus conhecimentos com uma ‘autoridade’ própria”, ou seja, a autoridade que alguém possui por andar em Seu Próprio Estreito Caminho – e essa autoridade (a Autoridade de alguém que é Autor) só pode ser obtida assim.


Edgard MacFraggin’