“O aparecimento dessa fé
[judaica] tem sido acertadamente descrito como ‘uma revolução na visão global
do homem’. Todas as religiões anteriores e contemporâneas viam o destino humano
como sujeito às leis da natureza. Assim como os ciclos naturais retornam ao seu
ponto de origem sem pretensão de progresso, assim era a vida humana concebida
como um infindável cortejo predestinado passando pelo nascimento e vida – de volta
a um ponto de partida nas trevas e no caos. Os próprios deuses estavam sujeitos
às paixões, instintos e desejos humanos. Eram associados a emanações naturais –
sol, luz, ar, fertilidade, chuva. As forças naturais sendo diversas e
numerosas, o conceito pagão de divindade era, conseqüentemente, tão pluralístico
que chegava ao caos.”
“Contra o fatalismo característico
de civilizações pagãs, o pensamento hebreu, a partir de Moisés, concebe D’us
como o autor de forças naturais, isento de seu ritmo cíclico. O desígnio divino
realiza-se não na natureza, mas na história humana. O progresso, e não a repetição,
é a lei da vida. Na tradição mosaica D’us aplica a Si um novo epíteto: ‘EU SOU
O QUE SOU’, aquele que nenhuma definição pode exaurir, o auxiliar onipresente
do povo, ‘que se aflige em todas suas aflições e em Seu amor e Sua compaixão os redime’. O
destino humano, uma vez separado do ciclo da natureza, liberta-se da fatalista
cadeia da repetição. O homem tem a capacidade de ’rejeitar o mal e escolher o
bem’. Está assim dotado de uma dignidade única e ativa, alem do alcance de
qualquer outro elemento da natureza.”
ABBA EBAN. A História do Povo de
Israel. Editora Bloch, página 19.
Entre
duas potências mundiais – a leste, a Babilônia; a oeste, o Egito – está o
território de Israel a nascer. O conceito da época, excetuando a fé do povo de
Israel, era de diversas entidades que governavam o mundo: a natureza em suas
diferentes facetas eram diferentes divindades. Divindades essas que tinham
fraquezas, que poderiam ser manipuladas pela humanidade, etc. Mas em Israel
havia a questão monoteísta. Um D’us que “nenhuma definição pode exaurir”. Alguém
que deu leis ao povo e que governava, exatamente pois ele foi o Criador de
todas elas, as forças da natureza e do universo. É claro que por trás de todas
elas existem forças também naturais, como a gravidade, a velocidade da luz, rotação
da terra, entre diversas outras. Mas esse raciocínio trás uma essência que
diferencia a fé monoteísta da fé politeísta.
Entretanto,
“depois de Galileu”, as coisas mudaram. Galileu, um cristão, é considerado o
pai da ciência moderna. E com a ciência, os processos desconhecidos da natureza
passaram, com o tempo, a serem conhecidos e compreendidos. Hoje, sabe-se do
ciclo do carbono, do ciclo da água, do ciclo do nitrogênio, de células
embrionárias, de dispersão de pólen, de mitose, de movimento dos astros e de
energia nuclear. Sabe-se como o leite é produzido nas glândulas mamárias, quais
hormônios influenciam o processo e quais hormônios são responsáveis por
diversos outros processos. Do ponto de vista do entendimento dos processos, não
precisamos mais de um panteão de deuses. Sabemos que não são eles que controlam
a chuva, a neve, os mares, a terra. Assim, penso eu, quem mais contribuiu para
o surgimento do ateísmo não foi o monoteísmo, e sim o politeísmo. Indo além,
pode-se compreender que o ateísmo não é o fim da fé politeísta, e sim sua
continuidade. Os motivos que eu observo para isso são:
1) Sempre
houve um conflito entre a fé politeísta e a fé monoteísta. Na minha opinião, a
que melhor expressa esses conflitos, foi a Revolta dos Macabeus. Outros povos
queriam helenizar (paganizar/”politeismizar”) a fé judaica. Colocar um fim a
prática, aos costumes, etc. O ateísmo faz o mesmo atualmente, e faz um
proselitismo enorme a nível mundial.
2) O
segundo motivo é que os politeístas adoravam diversos deuses por não compreenderem
os processos naturais. Os ateus atuais adoram a si mesmos por terem
compreendido os processos naturais. Quase como “não precisamos de nenhum deus
pois nós somos deuses; nós controlamos a natureza como queremos”. E tem uma
música do John Lennon que expressa muito bem essa idéia. O nome dela é “Serve
yourself”. A letra diz exatamente isso, sirva a você mesmo, porque nenhuma
divindade fará isso por você.
Assim,
a raiz da fé politeísta é basicamente a mesma raiz do ateísmo. Tanto é que eles
criticam basicamente três linhas de fé: o judaísmo, o cristianismo e o
islamismo. E todas elas são monoteístas e têm relações amáveis com a ciência
ou com outros cultos completamente politeístas.
Ou é um conceito de um deus inexistente ou um conceito tão vasto e caótico que ele não é deus de qualquer forma. Ambos são formas de pensar politeístas.
Ou é um conceito de um deus inexistente ou um conceito tão vasto e caótico que ele não é deus de qualquer forma. Ambos são formas de pensar politeístas.
Edgard MacFraggin'
Nenhum comentário:
Postar um comentário