quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ateísmo: politeísmo pós-moderno



“O aparecimento dessa fé [judaica] tem sido acertadamente descrito como ‘uma revolução na visão global do homem’. Todas as religiões anteriores e contemporâneas viam o destino humano como sujeito às leis da natureza. Assim como os ciclos naturais retornam ao seu ponto de origem sem pretensão de progresso, assim era a vida humana concebida como um infindável cortejo predestinado passando pelo nascimento e vida – de volta a um ponto de partida nas trevas e no caos. Os próprios deuses estavam sujeitos às paixões, instintos e desejos humanos. Eram associados a emanações naturais – sol, luz, ar, fertilidade, chuva. As forças naturais sendo diversas e numerosas, o conceito pagão de divindade era, conseqüentemente, tão pluralístico que chegava ao caos.”



“Contra o fatalismo característico de civilizações pagãs, o pensamento hebreu, a partir de Moisés, concebe D’us como o autor de forças naturais, isento de seu ritmo cíclico. O desígnio divino realiza-se não na natureza, mas na história humana. O progresso, e não a repetição, é a lei da vida. Na tradição mosaica D’us aplica a Si um novo epíteto: ‘EU SOU O QUE SOU’, aquele que nenhuma definição pode exaurir, o auxiliar onipresente do povo, ‘que se aflige em todas suas aflições  e em Seu amor e Sua compaixão os redime’. O destino humano, uma vez separado do ciclo da natureza, liberta-se da fatalista cadeia da repetição. O homem tem a capacidade de ’rejeitar o mal e escolher o bem’. Está assim dotado de uma dignidade única e ativa, alem do alcance de qualquer outro elemento da natureza.”
ABBA EBAN. A História do Povo de Israel. Editora Bloch, página 19.

                Entre duas potências mundiais – a leste, a Babilônia; a oeste, o Egito – está o território de Israel a nascer. O conceito da época, excetuando a fé do povo de Israel, era de diversas entidades que governavam o mundo: a natureza em suas diferentes facetas eram diferentes divindades. Divindades essas que tinham fraquezas, que poderiam ser manipuladas pela humanidade, etc. Mas em Israel havia a questão monoteísta. Um D’us que “nenhuma definição pode exaurir”. Alguém que deu leis ao povo e que governava, exatamente pois ele foi o Criador de todas elas, as forças da natureza e do universo. É claro que por trás de todas elas existem forças também naturais, como a gravidade, a velocidade da luz, rotação da terra, entre diversas outras. Mas esse raciocínio trás uma essência que diferencia a fé monoteísta da fé politeísta.     
                Entretanto, “depois de Galileu”, as coisas mudaram. Galileu, um cristão, é considerado o pai da ciência moderna. E com a ciência, os processos desconhecidos da natureza passaram, com o tempo, a serem conhecidos e compreendidos. Hoje, sabe-se do ciclo do carbono, do ciclo da água, do ciclo do nitrogênio, de células embrionárias, de dispersão de pólen, de mitose, de movimento dos astros e de energia nuclear. Sabe-se como o leite é produzido nas glândulas mamárias, quais hormônios influenciam o processo e quais hormônios são responsáveis por diversos outros processos. Do ponto de vista do entendimento dos processos, não precisamos mais de um panteão de deuses. Sabemos que não são eles que controlam a chuva, a neve, os mares, a terra. Assim, penso eu, quem mais contribuiu para o surgimento do ateísmo não foi o monoteísmo, e sim o politeísmo. Indo além, pode-se compreender que o ateísmo não é o fim da fé politeísta, e sim sua continuidade. Os motivos que eu observo para isso são:
1)      Sempre houve um conflito entre a fé politeísta e a fé monoteísta. Na minha opinião, a que melhor expressa esses conflitos, foi a Revolta dos Macabeus. Outros povos queriam helenizar (paganizar/”politeismizar”) a fé judaica. Colocar um fim a prática, aos costumes, etc. O ateísmo faz o mesmo atualmente, e faz um proselitismo enorme a nível mundial.
2)      O segundo motivo é que os politeístas adoravam diversos deuses por não compreenderem os processos naturais. Os ateus atuais adoram a si mesmos por terem compreendido os processos naturais. Quase como “não precisamos de nenhum deus pois nós somos deuses; nós controlamos a natureza como queremos”. E tem uma música do John Lennon que expressa muito bem essa idéia. O nome dela é “Serve yourself”. A letra diz exatamente isso, sirva a você mesmo, porque nenhuma divindade fará isso por você.
           Assim, a raiz da fé politeísta é basicamente a mesma raiz do ateísmo. Tanto é que eles criticam basicamente três linhas de fé: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. E todas elas são monoteístas e têm relações amáveis com a ciência ou com outros cultos completamente politeístas. 
             Ou é um conceito de um deus inexistente ou um conceito tão vasto e caótico que ele não é deus de qualquer forma. Ambos são formas de pensar politeístas. 
Edgard MacFraggin'

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