Tenho
refletido de uns tempos pra cá na temática do Lech Lechá, da alteridade, de
servir ao Eterno de forma pessoal no sentido da identidade que Ele deu a cada
um. Penso que tudo isso conversa entre si e é a forma que temos de cumprir
nosso Tikun, de ser a forma de cumprir a missão individual que o Eterno nos
deu, de consertar a parte fraturada do mundo que cabe a cada um.
Não
sei todos os leitores conhecem o conceito de Lech Lechá (lê-se Ler Lerrá – sendo esse rr com som gutural, semelhante à algumas
pronuncias do francês). É um conceito profundo do Judaísmo. Esse é o título de
uma parashá (porção semanal) da Torá, porção encontrada em Bereshit (Gênesis) 12:1-17:27.
Ali é contada o famoso chamado que D’us fez a Abraão, o “sai da tua terra e da
tua parentela...”. Mas Lech Lechá pode ser traduzido como “vá ao encontro de você
mesmo”. Estranho, não? Mas é aí que reside o significado profundo do termo. O
Eterno sabia que o destino de Abraão era ser pai de uma grande nação, era viver
fora da Babilônia, era ter Isaac, etc. Mas Abraão era completamente diferente
dessa descrição no início de seu relato. Se ele não saísse “da terra e da
parentela” ele seria alguém diferente do que o Eterno tinha para ele. É como se
ele não fosse ele mesmo, pois o destino de Abraão era ser um Patriarca. Mas ele
só atingiria isso se ele deixasse a situação confortável em que ele vivia, se
ele se sacudisse, se levantasse e lutasse para atingir o potencial daquilo que
o Eterno havia permitido para ele. Nesse
sentido, cada um de nós tem um Lech Lechá a fazer. E isso tem tudo a ver com
alteridade, com individualidade, com um relacionamento pessoal e único com o
Espiritual.
Nesse
sentido de Lech Lechá, estive pensando sobre o que Yeshua queria dizer sobre os
dois caminhos, o largo e o estreito. Quero mostrar uma outra possível
interpretação de todo o capítulo VII do livro de Mattityahu (Mateus),
analisando todos os versículos à luz dos versículos 13 e 14, que é quando
Yeshua cita esses dois caminhos. A interpretação que darei será diferente da
interpretação usual dada aos versos 13 e 14, o que possível de ser feito sob
uma ótica de interpretação bíblica judaica. Vou seguir o texto analisando os
versículos em blocos, então sugiro para um melhor entendimento uma leitura
prévia ou simultânea do capítulo VII de Mattityahu (Mateus).
·
Versos 1 a 5: Yeshua começa mostrando algo do
tipo “cuide da sua vida. Concentre-se em você mesmo, não nos outros. Cuide de
realizar o Seu Caminho, Sua Missão, Seu Mazal, Seu Destino.” Desobedecer a esse
ponto trará, certamente, tristes consequências.
·
Verso 6: Aquilo que é sagrado é, por definição,
aquilo que é separado. No contexto de Lech Lechá, o que há de mais separado
para alguém é a sua própria individualidade. Nenhuma outra pessoa possui uma
individualidade como a tua. Abrir mão dessa individualidade é abrir mão do Lech
Lechá. É dar sua própria vida aos cães, e, caso faça isso, eles a destruirão.
·
Versos 7 a 11: “Peçam continuamente...” Devemos
continuamente buscar ao Eterno, perguntando-Lhe qual é o Nosso Caminho. Pois se
pedirmos que Ele nos abra uma porta, Ele irá abrir não uma porta qualquer, mas
a Porta pela qual devemos entrar, a Porta de nosso próprio Lech Lechá. Ele é
nosso Pai: Ele abre as portas boas e fecha as portas más.
·
Verso 12: Yeshua ensina que devemos respeitar a
individualidade dos outros, pois cada um de nós aprecia e gosta que nosso
individualidade seja respeitada.
·
Versos 13 e 14: Nesse ponto Yeshua trás o magnífico
conceito dos Dois Caminhos. Em relação ao Caminho Estreito, uma possível
interpretação seja de que ele seja diferente e único para cada um de nós. Ou
seja, ele é estreito justamente por apenas uma pessoa poder passar por
ele e nenhuma outra. O Caminho Largo é acessível a todos, pois é o Caminho da
Massificação, o lugar em que se perde a identidade e passa-se a fazer parte da
grande massa – uma massa metafórica em que os ovos, o açúcar, a farinha, a
manteiga e o fermento perderam todos a sua própria identidade e se tornaram uma
massa única e indistinguível. É esse Caminho Largo o lugar onde as pessoas
deixam a Missão que o Eterno as deu, visando seguir o que é mais fácil e
cômodo. É o caminho que está em oposição ao Lech Lechá e que conduz à perdição,
pois se não seguirmos os Planos do Eterno para nós, estaremos perdidos. “Poucos
entram no Caminho Estreito”, disse Yeshua, não por conta de sua estreiteza
(pois, nesse sentido, há um “Caminho Estreito” para cada um de nós), mas pela
dificuldade que é cumprir o Lech Lechá, o “sair de nossa terra e de nossa
parentela”. Fazer o que todo mundo faz, perder a individualidade, ser
massificado, andar pelo Caminho Largo é muito mais fácil e confortável que
trilhar na contra-mão do sistema, que andar pelo Estreito Caminho do Lech
Lechá.
·
Versos 15 a 20: Uma vez que estiver no Estreito
Caminho, tome cuidado com as pessoas que se aproximarem de você. Pode ser que
eles queiram te oferecer um alimento apetitoso aos olhos e talvez até mesmo ao
paladar, mas que será ruim a longo prazo, visto que esse alimento irá te
engordar de tal forma que ficarás metaforicamente entalado no Caminho Estreito,
tendo que perder tempo com dietas ou correndo o risco de ficar tão gordo que
terás que ir pelo Caminho Largo.
·
Versos 21 a 23: Não é todo mundo que diz que
cumpre seu Lech Lechá que realmente o cumpre. Baseado no bloco de versos
anterior, analise os frutos dessa pessoa, se são frutos de alguém que preserva
e faz o bem através de sua individualidade, ou se são frutos de alguém que
demonstra frutos de origem massificada.
·
Versos 24
a 27: Existem testes diferentes em tipo e intensidade separados desde o
Princípio pelo Eterno para cada um de nós, independentemente de qual dos dois
Caminhos iremos trilhar. No Caminho Estreito de cada um estão as ferramentas apropriadas
para se proteger desses testes. No Caminho Largo, as ferramentas são impróprias
e inúteis. Um homem estava destinado desde o Início dos Tempos a enfrentar uma
terrível tempestade. Se ele fosse pelo Caminho Largo, iria encontrar apenas a
possibilidade de construir uma casa sobre a areia, quando a tempestade viesse,
ele estaria arruinado. Se tomasse seu próprio Estreito Caminho (Lech Lechá) ele
teria a chance de construir a casa sobre a Rocha: quando a mesma tempestade
viesse, ele estaria protegido. Essa parábola demonstra o poder do Lech Lechá.
·
Versos 28 e 29: o capítulo acaba lindamente ao
dizer que “as pessoas admiravam esses ensinamentos de Yeshua, pois ele não
ensinava como os ‘outros’ ensinavam, ele transmitia seus conhecimentos com uma ‘autoridade’
própria”, ou seja, a autoridade que alguém possui por andar em Seu Próprio Estreito
Caminho – e essa autoridade (a Autoridade de alguém que é Autor) só pode
ser obtida assim.
Edgard MacFraggin’
Muito Bom!
ResponderExcluirCertamente que devemos cumprir o nosso mazal. Mas as pessoas preferem o caminho mais largo, como as facilidades, a comodidade e o ostracismo. Excelente alerta!