quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ter depressão: um terrível pecado

Ter depressão é pecado. Transtornos de humor e psicológicos, bipolaridade, pânico, etc, também são todos pecados. De igual modo, ter dor de barriga, unha encravada, cólicas menstruais, infarto do miocárdio, espinhas no rosto, diarreia, desidratação, náuseas, pressão alta, osteoporose, obesidade, reumatismo, bronquite, pedra nos rins, colesterol alto, gripe, caquexia, etc, é tudo pecado também. Quem fica doente é um pecador.
Sei que o primeiro parágrafo teve uma construção bastante absurda. Mas infelizmente, muitas pessoas, de diferentes religiões, acreditam que ter transtornos ligados ao Sistema Nervoso Central seja pecado, e um dos mais graves pecados. Eu acho que, pelo menos atualmente, qualquer um que tenha religião - seja judeu, cristão, muçulmano, o que for - quando tem algum problema de saúde procura um médico. Se alguém quebra um braço, não vê nenhum problema em ir ao hospital colocar uma imobilização ou algo do tipo. Se tem dor abdominal, certamente toma um chá, ou algum medicamento para alívio das dores. Parece-me as vezes que, no discurso de alguns religiosos, uma pessoa pode ter problemas patológicos em quaisquer sistemas do organismo - cardiovascular, respiratório, digestório, articular, urinário, etc - que é algo aceitável, passível de tratamento, de tomar medicação sem nenhum problema. Agora, se alguém apresenta algum distúrbio no Sistema Nervoso (no sentido fisiológico do termo, como qualquer outro dos Sistemas do organismo) é porque essa pessoa é "pecadora", porque é "um pecado ter doenças ou patologias neurológicas". Já estou cansado de ouvir pessoas dizerem que "ter depressão é pecado". Isso me faz lembrar bastante da Idade Média, em que as pessoas acreditavam piamente que crises epilépticas eram na verdade uma possessão demoníaca! Mas, naquela época, a ciência não era tão avançada quanto hoje e nem métodos diagnósticos tão bons.
Algum tipo de pecado é responsivo a tratamento medicamentoso? Será que um adúltero pode tomar um remédio e parar de adulterar? Ou um idólatra tomar uma injeção e abandonar a idolatria? Sabe-se que pessoas em crise psíquica respondem a tratamento medicamentoso, logo, existe uma base patológica por trás desses problemas. Se há uma alteração na concentração de determinados neurotransmissores no cérebro, transtornos ligados ao comportamento certamente irão ocorrer. Existem pessoas que têm predisposição genética para o problema, existem famílias em que esses tipos de crise surgem em diferentes indivíduos - da mesma forma como existe predisposição genética a ter pressão alta, diabetes, entre outras doenças.
Na Bíblia vemos exemplos de homens elevadíssimos espiritualmente que passaram por situações em certo sentido semelhantes a quadros depressivos. Tanto o grande profeta Moisés quanto o profeta Elias tiveram momentos em suas vidas que tiveram vontade de morrer (vontade normalmente presente em pessoas em quadro depressivo). E será que eles pecaram por isso? Eu creio que não. Somos humanos, somos fracos, somos limitados. Será que alguém é capaz de suportar tamanho sofrimento sem desejar a morte? Moisés e Elias desejaram a morte, e eram homens, como já disse, elevadíssimos.
Ter depressão não é ser insatisfeito com relação ao Eterno. É ser incapaz de conseguir romper, de enfrentar sofrimento. É ser insatisfeito consigo mesmo, é achar-se incapaz. E eu digo isso não apenas como alguém que conhece pessoas que passaram por quadro depressivo, mas como alguém que já passou por depressão. Lembro-me que quando tive a crise quem mais me ajudou - fora meus familiares - foram pessoas que já tinham enfrentado e superado alguma crise depressiva. Eram pessoas amáveis e pacientes, que realmente me ajudaram nesses momentos críticos - e devo muito a elas. Desmerecer uma pessoa que enfrenta um transtorno psicológico, chamando-a de "pecadora" ou dizendo "você está assim porque você quer" é semelhante a eletrocutar um cachorro tetraplégico. É piorar o sofrimento de alguém que precisa mais do que nunca ser acolhido, ser cuidado. Naqueles terríveis dias que passei, pessoas sem nenhum vínculo forte com religião, até mesmo ateus, me ajudaram mais que muitos 'religiosos' por aí. Trataram-me com dignidade e ajudaram-me a recuperar a dignidade. Não me causaram humilhação seja em particular como em público e respeitaram o meu espaço. Pessoas religiosas também me ajudaram naquela época, e foi bastante preciosa a ajuda que me deram. Eu particularmente penso que é uma grande maldade alguém que diz amar a D'us classificar alguém com qualquer tipo de transtorno como um simples pecador, como se o quadro por qual a pessoa passa seja apenas um "pecado". Basta lembrar-se do Rei David e de seus Salmos que relatam seu sofrimento. Nós estamos passíveis a sofrer, e sofrer não é sinônimo de ingratidão contra D'us. Rebelar-se contra D'us por conta do sofrimento é pecado, pois rebelar-se contra D'us de qualquer modo é pecado. Entretanto, muitas vezes o sofrimento serve não para o distanciamento entre o homem e D'us, e sim para uma aproximação. A vida não é um mar de rosas e creio que poucos são aqueles que realmente conseguem, sem nenhuma hipocrisia, estar satisfeitos com a situação em que se encontram em todo o tempo. Existem dias que são felizes, existem dias que são tristes. E as vezes a ordem é "se entristeça" (vide o Yom Kippur).

Abaixo, alguns vídeos interessantes do médico Dr. Jair Mari, nos quais ele explica brevemente o lado fisiológico desses transtornos:





Que o Eterno nos abençoe e nos livre do mal.
Edgard MacFraggin’ 



Um comentário:

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